Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Entrevista Revista Bons Fluídos

Entrevista publicada na revista Bons Fluídos BF: Há espaço para o pensar no cotidiano das pessoas nesses tempos em que o exibir-se parece ser o motor do comportamento? FS: De um modo geral, é esta a idéia do Fronteiras do Pensamento: que as pessoas parem um pouco, desliguem os celulares e pratiquem a antiga arte de escutar e refletir. O físico Geoffrey West, em sua palestra, no próprio Fronteiras, observou que nas grandes metrópoles as pessoas caminham mais rápido. Diria que elas fazem muitas coisas mais rápido. A tecnologia e a sociedade da informação criou um mundo excitante (do qual não desejamos abrir mão, diga-se de passagem). O ponto é que em meio à excitação generalizada temos a sensação de que perdemos alguma coisa. Então é verdade que almoçamos mais rápido, todos os dias, mas vemos crescer um movimento como o slow food. Passamos correndo pela academia, mas cresce o número de pessoas que pratica a meditação. O Fronteiras não deixa de ser uma espécie de exercício slow food do pensamento. Logicamente, não basta assistir a uma conferência. Mas ela pode ser um convite para que as pessoas possam ler e descobrir coisas novas. Repito: nós gostamos de viver neste mundo da hiperinformação. Gostamos do frenesi das redes sociais. O facebook de certo modo realizou a profecia de Andy Wahrol. Cada um tem lá seus 15 minutos de fama, todos os dias, em uma comunidade que escolheu. O problema é que não conseguimos viver o tempo todo como personagens. Vez por outra desejamos nos retirar para dentro de nós mesmos, mesmo que isto seja difícil. Precisamos de um pouco de solidão, do pensamento lento. E ai a filosofia cumpre uma função. Aliás, sempre cumpriu, nós é que por vezes nos perdemos por aí, correndo de um lado para o outro. BF: O que é espiritualidade para você? Como você se relaciona com essa dimensão da existência? FS: Sou luterano. Há um elemento muito pessoal aí, e há o que vejo como pertencer a uma tradição de respeito ao indivíduo e à razoabilidade. O luteranismo nasceu no início do século XVI, quando Lutero se opôs à autoridade da igreja e do Estado, em nome da liberdade de consciência e religião. Lutero foi proscrito, perseguido, mas de certo modo recolocou o cristianismo em sua acepção mais original. Uma igreja sem hierarquias, feita por comunidades, que aproxima as pessoas de uma relação íntima com Deus. Como muitas religiões tradicionais, também o luteranismo perdeu, ao longo do tempo, muito de sua força espiritual. Trata-se de uma forma branda de espiritualidade, como é a marca da religiosidade na cultura contemporânea.   BF: Nos dias de hoje, a espiritualidade tem se inclinado em qual direção? FS: Obviamente, sob o rótulo da espiritualidade se encontram os mais diversos tipos de crenças e formas culturais. Mas palavras não são inocentes. Já nos diz alguma coisa pensar que migramos de uma cultura fundada na religião, para uma época pautada pela “espiritualidade”. Há uma história que dá sentido a esta transição. Nosso mundo é marcado pelo que Moisés Naim chama de “revolução do mais”: o aumento da escolaridade, da informação, o avanço da ciência e a penetração desta em esferas da vida inimagináveis até 80 anos atrás. Tudo isso produziu um lento processo de laicização da cultura. E aqui me refiro aos países ocidentais. Isso não irá eliminar a religião, mas alterar seu significado. As pessoas tendem, progressivamente, a praticar formas mais amenas de religiosidade. Mas abertas, tolerantes e ecumênicas. Não é por acaso que temos hoje um Papa ecumênico, cuja mensagem é menos doutrinaria e mais espiritual. Uma personalidade cujo fascínio atingiu pessoas muito distantes do catolicismo. Somos de um tempo em que a religião, de um modo geral, deixa de servir como fundamento da moralidade. Deus é citado como uma alegoria, em nossa constituição, e os crucifixos são retirados das escolas públicas. Mas a fé renasce em formas mais suaves, e isso diz respeito ao que chamamos de espiritualidade. Um universo panteísta em que cresce o interesse pelas religiões orientais, pelas práticas mediúnicas e por uma miríade de crendices que por vezes se confundem com a autoajuda. Um universo que convive bem com as religiões mais tradicinais e de certo modo incorpora a superficialidade da nossa época. O sujeito faz um curso de dez dias e, no final, conversa com espíritos, lê os chakras e, logo mais, vai atender como terapeuta holístico. O conhecimento científico vale muito pouco aí, se é que importa alguma coisa. Importante é  “curtir”, e analogia com as redes sociais não é fortuita. Somos menos rigorosos, levamos menos a sério e temos menos dramas de consciência. Não digo que haja algo errado ai, ou que o passado tenha sido melhor. Apenas observo que ninguém procura um terapeuta holístico ou um curandeiro, quando tem um problema de saúde realmente sério. BF: Viveríamos uma espécie de “pós-modernidade” religiosa? FS: Sem dúvida, no ocidente, uma época de maior liberdade. E de um certo elemento pragmático. Elemento pragmático quer dizer: a religião consola, espanta os meus medos, me ajuda a viver. É isto que importa. Uma boa forma de explicar isto seria dizer que a contemporaneidade resolveu o antigo dilema pascalino. Pascal se perguntou se era melhor viver apostando que deus existe, ou o contrário. Haveria custos e benefícios em qualquer das alternativas. O pior custo, obviamente, era viver como um ateu e, no fim, descobrir que Deus existia. Por outro lado, o custo de viver como um cristão era relativamente baixo, e no fim teríamos perdido pouca coisa, se nada daquilo se revelasse verdadeiro. Diria que o “espiritualismo” contemporâneo resolveu bem isto. A chave é a tolerância. A religiosidade incorporou a cultura da sociedade de direitos. O custo de praticar alguma forma de religiosidade é baixo e pouca gente parece efetivamente preocupada com o fogo do inferno. Evidentemente, isto não funciona se você pertencer a uma seita fundamentalista, ou viver em um estado teocrático, sob a charia, por exemplo. Mas este não deve ser o caso