Entrevista: Fernando Schüler: “As pessoas sabem que a administração do Central Park é privada?”

O cientista político e professor do Insper Fernando Schüler falou ao Estado da Arte sobre o resultado das eleições municipais de 2016. Mais do que avaliar o desempenho trágico do maior partido da esquerda brasileira, o PT, para Schüler, este é o momento de pensar na boa gestão que o setor público pode e deve oferecer à sociedade. Diante das críticas a propostas de modernização na administração municipal, Schüler questiona: “Será que as pessoas sabem que o Central Park, em Nova York, é gerido por uma organização privada? Que o mesmo acontece com o sistema de bibliotecas públicas da Big Apple, que funciona perfeitamente bem?”. O PT sofreu uma derrota eleitoral acachapante neste domingo. Até o momento, no entanto, não houve sinal de autocrítica ou de mudança de estratégia política. O PT consegue se recuperar eleitoralmente sem mudar de discurso? Não vejo sinais de que o PT mudará seu discurso, nem sua forma de agir. Esta semana mesmo seus deputados já estavam lá, com a habitual “estética da certeza”, dedo em riste, atacando a PEC 241, do controle do gasto público, no Congresso. É curioso ver como os argumentos de hoje são semelhantes aos que o partido usava para se opor à Lei da Responsabilidade Fiscal, em 2000. Depois se mostrou arrependido, mas agora faz tudo de novo. É um problema de DNA. Faria bem ao Brasil ter uma esquerda moderna, como teve o Chile, a Nova Zelândia e tantos países europeus. Infelizmente, não acho que será o caso do PT. O PT tem o vezo da velha esquerda latino-americana e sua incapacidade de entender uma economia moderna. Fazer o quê? Quanto ao sucesso eleitoral, tudo é possível. Mas intuo que o PT tende a se transformar em um partido de lideranças regionais, de menor porte, e dificilmente voltará a ser um partido com um projeto nacional. A sociedade virou esta página. Fernando Haddad (PT) foi identificado por uma parcela do eleitorado como um prefeito moderno, especialmente por suas pautas de mobilidade urbana. João Doria (PSDB) se elegeu prefeito da cidade no primeiro turno com um outro tipo de discurso moderno: o discurso do gestor, que assumiu a bandeira da privatização e das parcerias com a iniciativa privada. Para que projeto de modernização caminha São Paulo? Confesso ter uma boa impressão de Fernando Haddad. Ele foi corajoso ao legalizar os aplicativos de transporte urbano, em São Paulo, e acertou no tema das ciclovias. Isto não quer dizer que fez uma ótima gestão. Ele falhou no tema da modernização da administração municipal. Exemplo disso foi o erro de regulação da OS, no Teatro Municipal. Acho que Haddad deveria aproveitar este período pós-prefeitura para ir ao exterior, fazer um período sabático, renovar as ideias. Ele tem uma contribuição grande a dar. Quanto ao Doria, penso que ele é o primeiro grande político brasileiro a apresentar um discurso político claramente moderno, em termos de gestão. Falou de privatizações, sem medo, e assumiu sua condição de empresário empreendedor. É um político pós-ideológico, de tipo pragmático, que lembra muito o Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York. Ele é a expressão da São Paulo contemporânea, globalizada. Tem tudo para fazer uma ótima gestão. O PSDB perdeu o medo das privatizações? Penso que é a sociedade como um todo que está mais aberta a este tema. Mas é preciso considerar o seguinte: o Brasil não é São Paulo. São Paulo possui apenas 15% da mão de obra vinculada ao setor público. Há 15 capitais brasileiras com cerca de 30% ou mais de funcionários públicos na força de trabalho. Na minha cidade de origem, Porto Alegre, a venda de um terreno público, via leilão, ou a concessão do cais do Porto ou a construção de um presídio em PPP gera uma comoção pública. Parte da sociedade brasileira ainda confunde o “público” com o “estatal”. As corporações, no Brasil, têm sido muito hábeis em apresentar sua própria agenda como uma pauta da sociedade. Então o “ensino público” é compreendido como “ensino estatal”. E há gente que ainda acredita que estamos “entregando nosso petróleo” quando votamos um modelo de concessão da exploração do pré-sal no Congresso. Meu ponto é: ainda somos uma sociedade estamental, em boa medida, e o sistema partidário reflete essa cultura. Mas as coisas estão mudando. Quanto ao PSDB, vamos lembrar que foi o partido que conduziu o maior programa de privatizações do país, nos anos 90. E conduziu bem, diga-se de passagem. Intuo que em 2018 esse tema estará novamente no centro do debate eleitoral. Que autonomia tem a administração municipal para fazer uma gestão diferente da máquina pública? É possível introduzir novos regimes de contratação ou de avaliação de desempenho no serviço público municipal? Sem dúvida. Há muitas experiências exitosas de introdução de meritocracia, no setor público. As pessoas não se dão conta, mas em 2015 o Governo do Estado de São Paulo pagou R$ 1 bilhão em bônus por desempenho para mais de 230 mil professores. Estados como Espírito Santo e Pernambuco têm experiências exitosas, nesta direção. Não tenho dúvidas de que Doria irá por este caminho. E sugiro que ele comece rápido. Quanto à contratualização, é evidente que este é o caminho. Um exemplo: Doria acabou de anunciar que irá conceder a gestão do Parque do Ibirapuera à iniciativa privada. Teve gente que não gostou. Mas será que as pessoas sabem que o Central Park, em Nova York, é gerido por uma organização privada? Que o mesmo acontece com o sistema de bibliotecas públicas da Big Apple, que funciona perfeitamente bem? As pessoas sabem que, no Brasil, modelos de contratualização são adotados na OSESP, na Pinacoteca do Estado, no Hospital Sara Kubitschek, no IMPA, no Hospital do Câncer do Estado de São Paulo, com grande sucesso? Outra coisa: qual é o sentido de uma cidade como São Paulo administrar um autódromo? Ou um estádio de futebol? O Estado precisa escolher prioridades e focar sua atuação naquilo que ele realmente precisa fazer, e fazer bem feito. Criar ambiente atrativo para novos negócios, por