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Rápida visita ao american dream

Desci do metrô na altura da Broadway com a Dr. Martin Luther King Jr Boulevard. Mal passava das sete e meia de uma manhã fria e clara de outono, em Nova Iorque. À saída da estação, não encontro o The New York Times, e sim o Daily News, ao lado do Diário de México. Ônibus escolares amarelos circulam apressados. O dia começa, no Harlem, enquanto me dirijo até a KIPP Infinity Midle School, algumas quadras adiante. A Kipp é uma charter school, escola comunitária, privada, dirigida por uma organização sem fins lucrativos, que recebe estudantes gratuitamente, por sorteio, e é financiada pelo governo de Nova Iorque, além de receber contribuições privadas. Charters Schools são um modelo relativamente novo nos Estados Unidos. Criadas há pouco mais de vinte anos, hoje compõem um universo de mais de seis mil escolas, em 42 estados americanos. Trata-se de um novo modelo para a educação pública, semelhante ao das Academies, na Inglaterra, e de certa forma semelhante ao modelo das OSs, utilizadas nas áreas de saúde e cultura, no Estado de São Paulo. Logo na entrada da escola, leio a frase, que serve como lema, para os estudantes: “No shortcuts, no limits” (sem atalhos, sem limites). Caminhando pelos corredores da escola, me chama atenção o silêncio. Sou acompanhado por Tonia Casarin, do Teachers College, da Columbia University, e Fellow da Fundação Lemann. Tonia trabalhou na escola durante um semestre e me explica que a salas funcionam com portas abertas. Pode-se entrar e acompanhar a aula. É o que faço, algo constrangido, e os alunos sequer me percebem. A sala tem as paredes cobertas de informação. Imagens e frases de estímulo, cartazes feitos pelos alunos, o ranking da classe, com o nível de conhecimento de palavras. No quadro, as regras de participação e organização dos alunos, em aula. A idade média é de 12 anos. Assisto à Character Class, conduzida por Miss Leyla, jovem professora formada em Harvard. A aula tem apenas 30 minutos, tempo aproveitado rigorosamente. O foco da disciplina é discutir atitudes e comprometimentos éticos. Leyla propõe a discussão, alternando o debate rápido em duplas de estudantes, com a discussão no grande grupo. A cada resposta dada por um aluno, os demais estalam os dedos, no lugar de aplausos, com menor ou maior intensidade, conforme sua avaliação das ideias do colega. A participação é intensa, mas ninguém toma a palavra sem levantar o braço e receber a autorização da professora. Os tópicos são discutidos com objetividade, e sempre quando um aluno termina o seu diálogo mais rápido, com o colega, abre um livro para aproveitar o minuto restante, para ler. No final da aula, três batidas com a palma das mãos, ritmadas, em uma rápida coreografia. Alguns alunos recolhem as pastas, outros os papéis e anotações, dos demais, e a sala se encontra preparada para a próxima turma. Me retiro. Sigo para conversar com a Principal Allison Holley, para entender um pouco mais sobre o funcionamento da escola. Principal é o nome que se dá, aqui, à diretora ou diretor da escola, e Miss Allison parece perfeitamente confortável na função. Peço que ela me defina seu maior desejo, na gestão da escola. Ela me diz que há muitas metas a cumprir, em especial referentes à ida dos alunos para a universidade. Mas o que define seu sentimento é fazer uma escola na qual ela e seus professores desejem colocar os próprios filhos. Depois eu descobriria que os professores, ou ao menos a maioria deles, de fato colocam os filhos para estudar na escola. Allison explica que praticamente todos os professores atuam em tempo integral. Os alunos idem. Pergunto se ela considera as Charters Schools um modelo para a educação pública, ou ao menos uma alternativa ao ensino estatal tradicional. Ela sugere que isto dependerá da região, incluindo-se ai a força das comunidades, o empenho do setor público, e a abertura à inovação. Ela não tem dúvidas de que, em uma cidade como Nova Iorque, o modelo irá prosperar. O mercado é forte, a cidade é inovadora e exigente. Pergunto sobre a cultura meritocrática que se vê em cada iniciativa da escola. Ela se mostra surpresa com a questão, como se quisesse dizer: como a educação poderia não apostar na meritocracia? A escola criou um sistema de paychecks, espécie de moeda interna, com a qual são premiados os alunos, quando se destacam, pelo seu esforço, em inúmeras atividades, e na qual também são “descontados”, caso cometam uma infração nas regras acordadas entre todos. No final do ano, os alunos que alcançaram a pontuação esperada, participam do passeio anual. Na vitrine do corredor, vejo uma miniatura da Casa Branca, e um pequeno boneco de Barack Obama. Quem cumprir a meta irá até lá, no final do ano, e quem sabe conhecerá um de seus ícones, que estudou, aliás, ali pertinho, quando jovem. As regras são simples, claras, bem explicadas e aceitas por todos. São a base de convivência e a senha para a eficiência da aprendizagem. Se um aluno não lê o texto solicitado pelo professor, irá prejudicar o colega ao lado, nos debates em duplas; caso se comporte mal na sala de aula, irá distrair a turma e atrapalhar o andamento da aula, que é essencialmente participativa. A coisa toda soa meio dura, mas no fundo não é. Dura é a vida lá fora, que ele se preparam para enfrentar, aqui dentro. O ambiente da escola é colorido, e tem mais a cara de uma startup californiana, numa grande garagem, do que de um colégio convencional. Há espaço para a criatividade, para o pensamento crítico e expressão dos alunos. O segredo é apenas não confundir criatividade com desorganização. Talvez a palavra que defina o funcionamento de toda a escola seja “produtividade”. Uma eficiência alegre, auto-regulada, que torna o processo de aprendizagem mais rápido e efetivo. A aula começa e termina na hora marcada, não se perde tempo com alunos atrasados ou desorganização na sala, e o material de aula esta sempre à mão. A escola reproduz, de certo modo, um traço do mercado de

O capitalismo fair play

No alto do Grand Canyon, há um aviso pedindo que os turistas não alimentem os animais. E com uma explicação. Eles vão gostar de ganhar um biscoito, mas vão se acostumar, e com o tempo perderão o ânimo de caçar por conta própria. O economista italiano Luigi Zingales gosta de contar esta história, e diz que o mesmo vale para o mundo dos negócios. Cita o modo como foi feito o resgate dos bancos americanos, na crise de 2008. Uma vitória da K Street, a meca do lobby da indústria financeira, em Washington, sobre o “contribuinte indefeso”. Em geral é assim, quando o governo dá uma ajuda. Alguns ganham, e quase todos pagam a conta, de um jeito ou outro, no longo prazo. Zingales é autor do livro Capitalismo para o Povo. O livro é uma espécie de manifesto contra o que ele chama de “capitalismo de compadres”. Poderia ser “estatismo de compadres”, daria na mesma. O conceito cai como uma luva em um país como o Brasil. País do BNDES e seus “campeões nacionais”; da política de “conteúdo local” nas compras do pré-sal; do nosso “presidencialismo de coalisão”, de vezo patrimonial, movido a vinte e três mil cargos de confiança; da incrível máquina de sindicatos atrelados ao estado, sustentados via imposto sindical. Zingales trás algo novo ao debate público: defende que a economia de mercado pode ser uma bandeira popular. Em diversas partes de seu livro, menciona os movimentos Occupy Wall Street e Tea Party. Nas alegorias tradicionais da política, eles não teriam nada em comum. Para Zingales eles expressam um mesmo mal estar. O mesmo, quem sabe, que assistimos nas ruas do Brasil, em 2013 e 2015. Por vezes é a orgia de dinheiro público nos estádios da Copa; por vezes é a corrupção na Petrobrás. Mas o fio condutor é o mesmo: a zona cinzenta, pouco republicana e eticamente insustentável entre a política e o mundo dos negócios. Zingales diz que não é um filósofo moral, mas há uma evidente base filosófica em tua teoria. Ela diz que o senso de justiça das pessoas não requer que a distribuição da renda, na sociedade, seja mais ou menos igualitária. A exigência dos cidadãos diz respeito ao fair play. Todos querem ganhar, mas antes de tudo querem que o jogo seja limpo. Isso requer não apenas regras iguais, mas certa equivalência nas condições de partida de cada um, na sociedade. Numa analogia com o futebol, ficamos furiosos com os 7 a 1, na Copa, mas ninguém reclamou que o resultado foi injusto. É como funciona a meritocracia: aceitamos que o resultado se defina pelo talento, ou mesmo pelo acaso. O que não vale é o truque, a sensação de jogo-jogado. Vem daí a ideia de um certo nivelamento do sistema de oportunidades. E este é o foco de Zingales. Não é pouca coisa. Isso requer, por exemplo, o acesso de todos a uma escola de qualidade. De cara, rodaria no teste o modelo África-do-sul-na-época-do-apartheid, que vigora no Brasil, em que os mais ricos estudam em boas escolas e os mais pobres nas escolas “do governo”. O que diferencia os dois modelos é, essencialmente, a existência ou não de competição. As escolas estatais funcionam à base de um duplo monopólio: elas não podem ser “descontratadas” pelos estudantes, e não podem, por sua vez, descontratar seus piores professores. O modelo funciona como uma máquina de gerar desigualdade social, mas vamos levando. Zingales observa que, nas devidas proporções, é o mesmo que ocorre nos Estados Unidos. E não é à toa que define o “lobby da escola pública” como o mais poderoso lobby norte-americano. Ele custa U$ 56 milhões, anualmente, é bancado pelos sindicatos de professores públicos. É o lobby do status quo, em educação, que torna sem sentido a ideia do “sonho americano” para a maioria da população. A proposta de Zingales é simples: que o estado financie a educação, mas largue de fazer a gestão das escolas. Ofereça um vale-educação e permita que os estudantes mais pobres estudem nas mesmas escolas em que estudam os alunos de famílias com maior renda. Fair play, nos pontos de partida. Atenção aos alunos, não ao lobby dos sindicatos. A agenda sugerida por Zingales passa ao largo da habitual clivagem “esquerda x direita”, que há tempos envenena nosso debate político. Seu tema central é como fazer com que a definição de políticas públicas expresse de modo mais apurado os interesses difusos da sociedade, em uma perspectiva de longo prazo. Como evitar que o espaço público seja capturado por grupos de interesse, de dentro e de fora da máquina pública. Uma forma de fazer isto é evitar a expansão contínua do aparato estatal. Quanto maior o tamanho do bolo, diz Zingales, mais incentivo as empresas e corporações terão para abocanhar sua fatia. Ao cidadão interessa um Estado enxuto, porém rigoroso na defesa igualitária de direitos. Garantidor de equidade, e por isso avesso à miríade de vinculações, monopólios, privilégios funcionais, subsídios e incentivos fiscais setoriais. Subsídios e incentivos fiscais funcionam como uma espécie de ladeira escorregadia. Concedidos a um determinado setor, dificilmente serão recusados aos demais. Cada setor terá sempre bons argumentos a seu favor. Dirá que o segmento X ou Y também recebeu, que outros países fazem a mesma coisa, e que é preciso gerar empregos. Qualquer lobista tem na ponta da língua o número de empregos que irão pelo ralo se o governo cortar o seu subsídio favorito. E terá muita gente a seu lado, falando grosso. Incentivos são como gatos de sete vidas. Feitos para estimular, temporariamente, uma atividade econômica, tendem à imortalidade. Vide o caso clássico da Zona Franca de Manaus, com seus quase cinquenta anos e incentivos recém prorrogados até 2073. Tudo para criar uma indústria muito cara, e até hoje muito pouco competitiva. Observe-se o bem sucedido lobby das montadoras brasileiras para renovar, ano a ano, a redução do IPI para automóveis, com os sabidos efeitos sobre o caos urbano brasileiro. Vide o exemplo pitoresco da chamada “lei do