El Caballo e a sedução das grandes palavras

(artigo publicado na Revista Época, em novembro de 2016, por Fernando Luís Schüler) “No futuro, todos que não forem partidários de Fidel, serão acusados de imoralidade”, escreveu o cronista Miguel Bauza, em um artigo publicado no jornal Bohemia, em dezembro de 1955. À época, Fidel achava-se na cidade do México, preparando o desembarque guerrilheiro na Ilha, e ainda havia imprensa circulando livremente pela Ilha de Cuba. Não demorou muito para que a profecia de Bauza se fizesse história. Infinitas histórias. Uma delas foi a de Mario Chanes, morto em 2007, no exílio. Mário desembarcou com Fidel a bordo do Gramna e lutou na Sierra Maestra. Acreditava na promessa de uma democracia para Cuba. Ainda em 1959, divergiu dos rumos da revolução, foi condenado e encarcerado por 31 anos, tornando-se o preso político mais longevo do mundo. Outra foi a história de Pedro Boitel, a jovem promessa da revolução, que em 1960 ousou se candidatar a uma posição na federação universitária de Cuba, contra a orientação de Castro. Encarcerado, condenado a 30 anos de prisão, morreu em 1971, depois de uma greve de fome de 53 dias, com a mãe, antiga conhecida de Fidel, em vigília ao lado do presídio de Castilho del Príncipe, em Havana. Pedro e Mário não cometeram crime algum. Eram mesmo revolucionários de primeira hora. Mas cometeram, como muitos cubanos, nestes 58 anos, o grande pecado anunciado por Bauza. Castro chega ao poder no ano novo de 1959 e lá permanece até sua morte em novembro de 2016. Formalmente, deixou a função de Presidente de Cuba e Chefe das Forças Armadas em 2006, mas manteve o poder em família, até o fim, com seu fidelíssimo irmão Raul. Em qualquer conta que se faça, Fidel foi o mais longevo ditador da era contemporânea, superando mesmo o norte-coreano Kim Il-Sung, que permaneceu por 46 anos no poder. Há algumas unanimidades nos juízos que sobre ele se fazem: a obsessão quase doentia pelo poder, a autoconfiança quase mística, o carisma. Há também controvérsias. A maior de todas seguramente é sobre como foi possível preservar um regime socialista ortodoxo durante todo este tempo, muito além da dissolução do bloco soviético. Há muitas respostas. Carlos Alberto Montaner possivelmente exagere quando diz: pelas mesmas razões que a ditadura da família Kim permanece no poder, na Coréia do Norte. Ok, há algo que ver com isto. Há o aparato repressivo, o sistema do medo. Mas seguramente o tema é mais complexo. Os historiadores terão, doravante, tempo e material suficiente para desvendar o mistério. Fidel é filho de Angel Castro, imigrante galego chegado a Cuba em 1898. Angel foi um self made man cubano. De cortador de Cana, trabalhando para a United Fruit Company, terminou seus dias como um grande proprietário de terras em Birán, ao norte de Cuba. Foi-se aos 80 anos, poucas semanas antes do desembarque do filho rebelde na praia Las Coloradas, a bordo do Gramna. Graças à seu sucesso empresarial, pode oferecer a melhor educação a Fidel, incluindo os anos de ensino intermediário no Colégio de Belém, de orientação jesuíta. Instituição devidamente expulsa da Ilha, depois da revolução. Angel tentou, durante anos, fazer com que o filho abandonasse a política, sem sucesso. Fidel ingressa na Universidade de Havana em 1945, como estudante de direito, e imediatamente mergulha em um ativismo político desenfreado. De estatura elevada, exímio orador, ávido por sucesso, surge como “el caballo”, o bicho das guerras estudantis da Havana dos anos 40. Ora podemos vê-lo embarcando da tentativa de invasão de Santo Domingo; ora discursando, com os olhos vidrados, ao lado da estátua Alma Mater, nas escadarias da Universidade; ora pondo em ação seu faro midiático, como no translado do sino da independência, o Demajagua, para a Universidade de Havana, em novembro de 1947, em uma ação espetacular contra o governo do Presidente Ramon Grau. Data desta época sua conversão ao marxismo. Na virada dos anos 50, torna-se um revolucionário profissional. Deixa que Mirta, sua primeira mulher, viva em um quarto de hotel no centro de Havana, quase sem dinheiro, com o filho pequeno. Mirta depois o abandona. Se casa com um jovem inimigo político de Castro, filho do embaixador de Cuba na ONU. Fidel não lhe perdoará. Anos depois, literalmente, sequestra o filho, Fidelito, para viver na casa de amigos, em seu exílio mexicano. No dia 26 de julho de 1953, à frente de um grupo mal preparado de 160 combatentes, faz sua aposta mais ousada, com a invasão do Quartel de Moncada. A ação termina com 61 mortos, é um fiasco, mas serve para transformar Fidel em um ícone internacional. Recebe um julgamento aberto, e lhe é permitido fazer a própria defesa. Com menos de dois anos de prisão, é anistiado. A tomada do poder, em janeiro de 1959, foi sua obra prima. Na Sierra Maestra, cria o mito dos “barbudos”, jovens idealistas cujo único objetivo era a libertação de Cuba do tirano Fulgêncio Batista, a reconstrução democrática, a convocação de eleições livres. Uma vez no poder, empossou um presidente fantoche, Manuel Urrutia, e em poucos meses suprimiu todas as “retrancas” institucionais que poderiam limitar de algum modo seu poder. Esqueceu-se das eleições, proibiu os partidos políticos, fechou o parlamento, promoveu um amplo expurgo na Universidade de Havana, fuzilou alguns milhares de opositores (fala-se em quatro mil, nos três primeiros anos da revolução, mas as estatísticas são imprecisas). Fechou todos os órgãos de imprensa independentes, incluindo a tradicional revista Bohemia, a os jornais Prensa Libre e o Diário de la Marina, este último fundado em 1832. O “método” era sempre o mesmo: o progrom de estilo fascista, a invasão da redação pela turba militante, a conivência policial, e logo a fuga dos chefes de redação e proprietários para alguma embaixada próxima. Foram os anos de ouro do panóptico sinistro da Ilha de Pinos, o presídio modelo que abrigava, no início dos anos 60, mais de oito mil presos políticos. No poder, Castro enuncia a equação demiúrgica que lhe permite prosseguir no comando da Ilha, indefinidamente: “a