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Fernando Schüler: “Precisamos aprender a diferença entre o público e o estatal”

O Estado da Arte dá início a um Especial sobre os caminhos para educação no Brasil. Quais os modelos mais bem sucedidos ao redor do mundo? Quais as vias possíveis para as nossas políticas públicas? Quais são os diagnósticos, prognósticos e terapêuticas mais avalizados à nossa disposição?  Abrindo a série, o cientista político e professor do Insper Fernando Schüler critica o modelo de gestão estatal no Brasil e avalia alternativas, como os sistemas de contratualização com escolas privadas e de vouchers para educação, como o ProUni, em que os estudantes subsidiados podem escolher a instituição em que desejam se formar.     O senhor vem argumentando que o núcleo do problema da educação brasileira é o modelo estatal de gestão das escolas e do sistema de ensino. Em um artigo para a revista Época, o senhor caracterizou isso como “o lobby da educação estatal”. O que explica a força desse lobby? O artigo parte de um reconhecimento: não há uma crise genérica da educação, no Brasil. O que existe é uma crise do Estado na educação. Nossa rede privada de ensino está longe de ser de excelência, mas seus resultados, em média, são próximos aos dos estudantes norte-americanos, no Programa Internacional para a Avaliação Internacional de Estudantes. O que existe no Brasil é a brutal falência do modelo de gestão estatal do ensino. Reconhecer isto é o primeiro passo para mudar a realidade. Há um problema endógeno afetando nossas escolas estatais. Ele provém da forma como estruturamos a gestão pública brasileira na Constituição de 1988. Escolas são repartições públicas; professores têm estabilidade total no emprego; a burocracia impera e tudo tem de ser feito via lei de licitações (a Lei 8.666/93), que é lenta e inadequada para gerenciar escolas. Os diretores de escolas são eleitos, sujeitando-se a toda sorte de pressões corporativas; os governos mudam a cada quatro anos, afetando qualquer ideia de planejamento de longo prazo. Em boa medida, é o mesmo problema que afeta a saúde pública e outras áreas de prestação de serviços pelos governos. O resultado é previsível: a classe média fugiu do Estado e migrou para as escolas particulares. Com isto geramos, ao longo do tempo, uma brutal desigualdade educacional. Me espanta que nossos gestores públicos e boa parte da academia brasileira não reconheça nada disso. Imagino que isto ocorra por comodismo político,  pressão das corporações ou simplesmente por ideologia. É esse o lobby da escola pública. Os sindicatos são apenas sua cara “visível” e barulhenta. O Brasil tem um grande número de movimentos, institutos e fundos dedicados ao tema da educação. Se esse tema da gestão não está na pauta, qual é, então, o foco desses grupos que atuam em defesa de melhorias na educação? Há muitas instituições fazendo um ótimo trabalho. Elas ajudam a treinar gestores escolares, propor inovações didáticas, combater o preconceito e a intolerância, premiar boas práticas, e tudo isto é sumamente importante. A única coisa que ninguém parece se permitir é o questionamento do “modelo”. No cânone brasileiro, as ideias de “público” e “estatal” se confundem. Não se reconhece a possibilidade de uma esfera pública não estatal, a simples ideia de que o Estado pode garantir o direito à educação sem necessariamente gerir todas as escolas. O Brasil, neste ponto, é um país curioso: reconhece-se que o governo não é competente para gerir estradas, portos ou aeroportos; mas para gerir escolas imagina-se que sim. Lá no fundo, imagino, ninguém realmente acredita nisso. É apenas uma situação confortável. A mesma elite que promete melhorar a educação no “longo prazo” há muito tempo recorre à rede privada de ensino para educar seus próprios filhos. Este é o lado mais cruel de nosso apartheid educacional. Ele tem um componente ético: nega-se aos mais pobres um tipo de direito (estudar em boas escolas, ou simplesmente escolher onde estudar) do qual nenhum de seus defensores, sob hipótese alguma, abriria mão. Este é um ponto que enfatizo em meu artigo: há um pacto silencioso. Não digo que ninguém desejou criar um sistema de exclusão educacional, no Brasil. Mas ela está aí. É uma “consequência indesejada” do modelo estatal. E é uma situação a que todos nos acostumamos, sempre contando com a infinita paciência dos mais pobres para esperar que o “longo prazo” um dia apareça. O senhor menciona em seu artigo mais recente para a revista Época duas alternativas ao sistema estatal: as charter schools e o voucher educação. Esses modelos, no entanto, têm apresentado resultados muito desiguais, com resultados positivos (que o artigo ressalta bem) e negativos, como apontou o relatório do Departamento de Educação norte-americano no último mês de que mostrou resultados negativos para os vouchers no distrito de Columbia. O que tem dado errado? O que deve ser evitado, caso se busque implementar esse modelo no Brasil? A avaliação feita no sistema de voucher do Distrito de Colúmbia refere-se apenas ao primeiro ano de funcionamento do programa. No processo das charter schools tem sido registrado o mesmo fenômeno. Quando há a migração de um estudante de uma escola pública tradicional para uma escola privada de maior performance, é necessário um tempo de adaptação. Isto aconteceria no Brasil ou em qualquer lugar. O Estado de Wisconsin tem o mais antigo programa de voucher dos Estados Unidos, com 27 anos de funcionamento, e os resultados são bastante positivos. Estudo feito pelo Center for Research on Educational Outomes, da Universidade de Stanford, mostrou que os alunos que fazem a transição para charter schools apresentam, logo de partida, uma pequena piora em relação aos que permaneciam no sistema estatal. Mas a partir do segundo ano seus resultados já são ligeiramente superiores. No quarto ano, é notável o avanço em seu desempenho. Mas é preciso cuidado neste tipo de análise. Nenhum modelo, por si só, tem o poder de mudar a educação. É preciso que seu design institucional seja bem feito. No Chile, por exemplo, houve equívocos na implantação do voucher. Permitiu-se que as famílias adicionassem dinheiro à bolsa recebida, de modo a contratar escolas mais caras e sofisticadas. Reproduziu-se um modelo de desigualdade. Em 2008 isto foi corrigido, em boa medida, com excelentes resultados. Você vai encontrar bons e maus resultados em diferentes modelos de gestão educacional. O ProUni, no Brasil, que