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Jonatan e os especialistas

Jonatan tem 20 anos recém completados, é negro e morador da Baixada Fluminense. Estuda economia, em uma instituição de ponta, no centro do Rio de Janeiro. No verão passado fez um intercâmbio em Oxford, para melhorar o inglês. Leciona matemática para uma turma de ensino médio, na Tijuca, e acaba de voltar de uma gira pelo Cone Sul. Jonatan quer conhecer o mundo, enquanto a agenda permite. Sabe que logo vai entrar de cabeça no mundo executivo, e a vida vai ficar corrida. Quem lida com educação superior, no Brasil, se acostumou, nos últimos anos, a ouvir histórias como a de Jonatan. Histórias dos bolsistas do ProUni, um programa criado pelo Governo federal em 2004. O programa já distribuiu mais de dois milhões de bolsas em instituições privadas de ensino superior, Brasil afora. Não deixa de ser incrível, acontecer uma coisa dessas no Brasil. Um programa de parceria público-privada, custo baixo, burocracia zero, que dá um resultado tão espetacular em tão pouco tempo. E logo no Brasil, um pais que não costuma ser especialmente inovador em políticas públicas. O programa é uma obra do bom senso: houve uma mutação na sociedade brasileira, nos últimos vinte anos. O País universalizou o acesso ao ensino fundamental, ainda nos anos 90. Na primeira década do século, 40 milhões de pessoas passaram a integrar o que Marcelo Neri, economista e atual presidente do IPEA, chamou de “nova classe média”. Havia necessidade de ampliar, e rápido, o acesso dos estudantes mais pobres ao ensino superior. Por que não permitir, então, que as universidades privadas convertessem parte de seu imposto ou quota de filantropia em bolsas aos estudantes de menor renda? Um caso de bom senso liberal. O ProUni criou, no Brasil, o vale-educação. Uma antiga ideia formulada por Milton Friedman nos anos 50. Friedman, posteriormente, transformou o tema em uma cruzada pessoal. Nos anos 90, criou a sua Fundação para a livre escolha educacional. No Brasil, por óbvio, a tese de Friedman jamais frequentou o debate público. A ideia sempre foi uma excentricidade dos círculos liberais. O mantra nacional, repetido ad nauseam por políticos, sindicalistas e nossos “especialistas em educação”, sempre foi a “defesa da escola pública”, eufemismo que costumamos usar quando nos referimos à educação estatal. O ponto é que, em seus 10 anos de vigência, o ProUni se tornou um sucesso. O custo médio por aluno, no sistema, é seis vezes menor do que o de um estudante da rede federal de universidades. Os alunos escolhem onde estudar, a integração entre bolsistas e não bolsistas é boa, o desempenho acadêmico está ok, tudo certinho. O Governo do PT, talvez sem querer, tornou o Brasil um dos maiores cases globais de comprovação da tese de Friedman. A pergunta a ser feita agora, é: se o sistema da bolsa ou do vale-educação funcionou tão bem no ensino superior, porque ele não é também utilizado na educação básica? Em especial, porque ele não é utilizado no ensino médio? A pergunta ganha relevância quando observamos os últimos resultados disponíveis do ENEM, o exame nacional do ensino médio. Entre os 10% de escolas melhor pontuadas do País (1124 escolas), 93% pertencem à rede privada de ensino. Na outra ponta, entre os 10% de escolas pior colocadas, nada menos do que 97,7% são colégios pertencentes às redes estaduais de ensino, que respondem por 85% das matriculas de ensino médio brasileiro. Os dados nos permitem concluir que não há propriamente uma crise em nosso ensino médio, ou no ensino básico, como um todo. Há, isto sim, uma crise estrutural no setor público educacional, que se concentra, em particular, nas redes estaduais de educação. Diante desses dados, os defensores do modelo de ensino estatal costumam mostrar certo incômodo. Sustentam que não há, na verdade, grande diferença de qualidade entre as escolas públicas e privadas. O desempenho diferenciado vai por conta do padrão de renda da clientela de cada rede. Alunos das escolas estatais tem um desempenho pior do que seus colegas, do setor privado, por que são pobres. Na sua visão, não é a má gestão escolar, a burocracia, a falta de laboratórios, o abstenseismo dos professores, que determina os resultados pífios alcançados. O problema se encontra nos próprios alunos. Sua herança familiar, a falta de boas condições para estudar em casa, somado ao pouco comprometimento dos pais. Jonatan discorda deste argumento. Ele acha que, estudando em uma escola melhor, com rigor didático, horário pra começar e terminar a aula, ano letivo cumprido à risca, laboratórios atualizados e coisas do gênero, os alunos iriam bem, mesmo vindo de famílias mais pobres. Dizem que é só observar os resultados dos bolsistas do ProUni, em regra iguais ou superiores a de seus colegas não bolsistas, para saber disso. Nossos defensores do modelo estatal reconhecem que isto até pode ser verdade, mas que não se deve perder, jamais, a esperança na escola pública. Pedem um pouco de paciência. Dizem que acabou de ser aprovado o novo plano nacional de educação (PNE), no Congresso Nacional, e que, no máximo em dez anos, as coisas vão melhorar. Lembram que vai ter o recurso do Pré-sal, que em 2020, o orçamento nacional para educação vai ser 100% maior do que este ano. Garantem que a piora dos resultados do último IDESP não vai se repetir. Jonatan escuta o argumento, mas na sua cabeça só aparece a turma mais nova lá da Baixada. Lembra que tem muita gente entrando no colégio na virada do ano, e ele acha que o pessoal poderia escolher uma escola privada bacana, com nota boa no ENEM, se o Governo simplesmente estendesse os mesmos benefícios do ProUni para as escolas de ensino médio. O próprio estado poderia ir disponibilizando bolsas, do próprio orçamento. Acha que o pessoal iria gostar de escolher onde estudar. Seria legal comparar a qualidade de cada escola, optar por esta e não aquela, como fazem as famílias que tem mais dinheiro. Nossos defensores da escola pública explicam que Jonatan está equivocado. Não é o direito de escolha que

Carlos Lacerda: o político do tudo ou nada

“Não gosto de política…gosto é do poder. Política pra mim é um meio para chegar ao poder”, diz Carlos Lacerda, em “Depoimento”, publicado em 1978, um ano após a sua morte. De fato, a paciência não era sua maior virtude. Em 1955, eleito JK, Lacerda defende a anulação das eleições. Juscelino não havia feito maioria, seu meio milhão de votos sobre Juarez Távora eram votos dos comunistas. Às favas com o jurisdicismo da ala legalista da UDN. O caso era apear Juscelino, e logo Jango, do poder. Lacerda tinha pressa. Em abril deste ano, Lacerda faria cem anos. Nos manuais de história, ele é o corvo da terceira república. O apelido foi dado pelo pessoal de A Última Hora, de Samuel Wainer. Pegou. Lacerda mesmo incorporou o pássaro negro a sua propaganda. Proscrito da vida publica ainda relativamente jovem, assim prossegue. Nenhuma comissão da verdade pede o reexame de sua morte. Seu arquiinimigo, Getúlio Vargas, chefe de um regime de exceção de década e meia, com sua guarda pessoal, sua polícia política, que fechou o Congresso, extinguiu os partidos, prendeu, torturou, prossegue como herói da historiografia oficial. Em parte, isto se dá pela sina incontornável da história: Lacerda foi um político derrotado. Nos dezenove anos da “república populista”, andou sempre no avesso do poder. Termina derrotado pelo regime militar, que ajudara a nascer, e que o baniu da vida política. Lacerda chegava à maturidade de seus 50 anos, em 1964. Aspirava à presidência, queria ser o candidato da “revolução”, nas eleições de 1965. Errou feio. De certo modo, terminou como Brizola, tolhido da chance de deixar um legado, como o fez Juscelino, e, por óbvio, Getúlio. Brizola, longevo, ainda sobreviveu. Teve sua chance, na redemocratização. Lacerda se foi em 1977, inglório, morto de uma complicação cardíaca na clínica São Vicente, na Gávea. Vem daí o mérito do livro recém lançado, de autoria do historiador Rodrigo Lacerda, “A republica das abelhas”. Rodrigo é um escritor premiado, doutor em história pela Universidade de São Paulo. É também neto de Carlos Lacerda. De cara, isto o livra do debate sobre o “distanciamento”, do historiador. “Tentei tirar partido disso”, diz Rodrigo. E conseguiu. Rodrigo toma o avô como narrador de sua própria história e produz um livro cativante. Algo que ele mesmo chama, “por falta de definição melhor”, um “romance histórico”. Não gosto da expressão. Um livro de história sempre será, em maior ou menor medida, uma obra de ficção. A ficção sobre o tempo que se foi e do qual recolhemos os pedaços. Rodrigo recolhe os cacos da história dos Lacerda, desde o avô de Carlos, Sebastião, abolicionista e republicano de primeira hora, e estabelece seu ponto de vista. Rodrigo conta a história do atentado da Rua Tonelero. Daria um bom hobbie colecionar versões sobre o acontecido, naquela madrugada, em Copacabana. Há livros de história que asseguram tudo não ter passado de uma jogada para incriminar Getúlio, a confissão do negro Gregório, o ferimento de Lacerda, tudo mentirinha. Quem se importa? O tempo vai apagando seus rastros. O fato é que Rodrigo escreve um livro cuidadoso, como devem ser os livros de história. Seu maior achado foi transformar Lacerda, desde seu jazigo, no cemitério São João Batista, em um homem ponderado. Na classe média carioca, com alguma informação e bastante idade, Lacerda é lembrado como governador enérgico e competente, o primeiro do então recém criado Estado da Guanabara, na primeira metade dos anos 60. Seu governo universalizou o acesso ao ensino primário, chegando a publicar um decreto prevendo processo para os pais que não matriculassem seus filhos na escola. Modernizou a gestão, tornou obrigatório o concurso público, investiu em obras estratégicas, estação guandu, os túneis Rebouças, Santa Bárbara, mandou fazer o parque do Flamengo, projeto de Lota Macedo Soares, vivida por Glória Pires no filme Flores raras. Lacerda afirmou que sempre quis ser escritor, mas deixou sua melhor memória como gestor público. Lacerda começou como aspirante a dramaturgo. Sua primeira peça, O Rio, estreou em julho de 1937, no Teatro Boa Vista, em São Paulo. Criação de seus vinte e poucos anos, foi recebida como uma obra de vanguarda, elogiada em O Globo como “o mais absoluto desrespeito a todas as regras secularmente estabelecidas no teatro”. Graciliano Ramos não gostou: “não há drama destes retalhos de vidas incongruentes. Não sei se é teatro”. Lacerda ainda escreveria A Bailarina Solta no Mundo e Amapá. Sua paixão intermediária foi a tradução. São mais de 30 obras. Julio Cesar, de Shakespeare; A vida de Ivan Ilitch, de Tólstoi; Minha mocidade, de Churchill. Ainda na noite do 31 de março, 1964, depois de passar o dia em guerra, no Palácio da Guanabara, trabalhava na tradução da peça de Abe Burrows, Como Vencer na Vida sem Fazer Esforço”. Em 1973, foi conferencista principal, com Antônio Houaiss e Paulo Rónai, do Primeiro Encontro Nacional de Tradutores. Nos anos 70, fora da política, dedicado à vida empresarial, na editora Nova Fronteira, escreveu seu livro de memórias, A Casa de meu Avô, que lhe valeu o elogio de Drummond, de que bastava o livro “para garantir-lhe esse lugar que importa mais do que os lugares convencionalmente tidos como importantes”. Sua paixão definitiva foi, desde sempre, o jornalismo de combate. O articulismo enragés, tradição hoje desaparecida, quando nenhum governante perde o sono em razão de um artigo de jornal. Escreveu mesmo um livro apresentando sua visão sobre o jornalismo, A Missão da Imprensa, em que faz uma candente defesa da independência do jornalismo frente aos governos e grupos de poder, a profissionalização do jornalista, o rigor na verificação das fontes. É evidente que, definitivamente, este não foi o caso da Tribuna da Imprensa. Nem foi o caso da publicação da Carta Brandi. O Lacerda reflexivo, saído da mente de Rodrigo, quem sabe teria checado se aquela assinatura era mesmo verdadeira, antes de publicar a carta. Gosto de ver Lacerda como alguém que levou a contradição entre a palavra e a vida ao estado da arte. Nos anos 30, foi comunista. Ao

Wellington e Pepe Mujica

Dias atrás escutava o discurso do Presidente Mujica, do Uruguay, na ONU. O discurso fizera certo sucesso, e de fato é uma boa peça de oratória. Mujica usa bem a imagem do “viejo” da província. Aquele que nada mais tem a ganhar, que já deu de si. Que carrega o charme do “pequeno País” em um mundo de gente grande. Um tipo simpático, afinal de contas. Observando o discurso, me dei conta, mais uma vez, do quanto a estética da indignação pode esconder a falta de coragem. Coragem de reconhecer o que nós, latino-americanos, fizemos ou deixamos de fazer. Sobre nossa história triste de golpes de estado, nosso populismo atrasado, nossa relutância em criar instituições inclusivas, que incentivem o espírito de inovação e a concorrência saudável entre as empresas. Nosso investimento pífio em infraestrutura, na “ciência”, que segundo o Presidente, deveria conduzir o mundo. Nosso talento para ocupar os últimos lugares em qualquer ranking de competitividade, com a honrosa exceção do Chile, cujo modelo de modernização é hoje seguido, ao menos em parte, pelo Peru, e pela Colômbia, país sul-americano que mais avançou, na última década, no ranking do “doing business”, do Banco Mundial. Coragem para saber dos próprios erros, ao invés de por a culpa no vizinho, em geral nosso vizinho preferido, mais ao norte. Mujica, com razão, chama de inútil o bloqueio econômico a Cuba. Só não tem coragem falar em direitos humanos na Ilha. Pedir que libertem os “presos de consciência”, promovam eleições livres, como soubemos fazer, aqui, mais ao “sul”, nos anos 80. Coragem para uma simples saudação a Guillermo Fariñas, jornalista de oposição em Cuba, com suas 23 greves de fome, que acaba de receber o Prêmio Sakharov de direitos humanos, concedido pelo Parlamento Europeu. Não o culpo pela omissão. Ele cumpre um conhecido papel. O jogo é falar mal dos “grandes”, cutucar os norte-americanos. Estes sim, a tipificação do erro, com sua Constituição de 226 anos, 35 universidades entre as 50 melhores do planeta, com seus vales do silício e uma das dez economias mais abertas do mundo. O discurso de Mujica me fez lembrar do Wellington, aluno da instituição de ensino em que trabalho. Bolsista do ProUni, 19 anos, negro, talentoso, morador de São Gonçalo. Wellington quer aprender inglês. Espanhol já estuda. Norte, sul não lhe faz diferença. De certo modo, ele transita do norte ao sul, todos os dias, no metrô carioca. Vai bem na faculdade, pega a ponte aérea pra fazer um curso da Fundação Estudar, em São Paulo, e imagino que acharia curioso, com o devido respeito, escutar Mujica amaldiçoando o capitalismo e “el dios mercado”. Wellington anda querendo entrar no mercado, e, se acredita em alguma coisa, decididamente, é em “el dios educacion”. Quando começou a faculdade, Wellington costumava dormir em um banco de colégio, na sala dos professores. Teria do que se lamentar, mas anda sem tempo. Esta criando uma ONG. É impaciente, quer atuar junto às comunidades. Quando lhe perguntei se não seria melhor focar nos estudos, por agora, e depois atuar na área social, ele respondeu que não vai esperar até ficar milionário para abrir a sua fundação. Mujica diz que a “globalização não tem outra condução se não interesse privado”. Esqueceu do bilhão de pessoas privadas que saiu da pobreza, mundo afora, nas duas últimas décadas. Talvez pense que as estatísticas também são controladas pelas “grandes potências”. Talvez suponha que um bilhão de pessoas não faça tanta diferença, já que há outro bilhão que ainda precisa fazer o mesmo caminho. Talvez não pense nada disso. Foi só uma frase no meio do discurso. Wellington anda estudando sobre globalização, e a palavra parece lhe soar bem aos ouvidos. Vê o mundo cada vez mais descolado da geografia. O conhecimento está aí, circulando no mundo virtual, à disposição de todo mundo. No final do ano, ele vai a Inglaterra fazer um curso. Depois, quer ir para alguma universidade americana, em um intercâmbio. Mas o que ele quer mesmo é voltar, contar tudo para seus amigos, em São Gonçalo. Ir de sala em sala nas escolas da rede publica, olhar nos olhos de cada um e dizer que é possível, que o Brasil é um País cheio de oportunidades, que tem o ProUni, Fies, o Sisu, as fundações, os intercâmbios. Que é só não desistir, não perder tempo reclamando da vida. Wellington senta na frente da minha mesa e diz que um dia vai ser presidente. Fala com convicção. Não duvido que vá mesmo. Torço por ele. Sua história é a história de muita gente, não só do Brasil, mas de um continente que se move rápido. Se um dia ele chegar lá, quem sabe também fará um discurso nas Nações Unidas. Não sei o que ele dirá. Intuo que não haverá amargura em suas palavras. Quem sabe apenas se lembrará de tudo que passou, sugerirá que cada um assuma suas responsabilidades, e dirá coisas amenas sobre o futuro. (artigo publicado originalmente no Jornal Zero Hora, em Out/2013)

A grande síntese brasileira

Virou hábito chamar o atual governo de conservador. Eu mesmo utilizei esta expressão, algumas vezes. Gosto da ideia de que uma boa democracia é aquela capaz de dar expressão à multiplicidade de visões, na sociedade, e este foi um ganho das últimas eleições. Elas deram voz a um pensamento conservador há muito presente, e quem sabe hoje hegemônico, na sociedade brasileira. Dito isto, há muitas coisas diferentes sob o rótulo do conservadorismo. Na expressão clássica de Oakeshott, ser um conservador “é preferir o familiar ao desconhecido, o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o real ao possível… o conveniente ao perfeito”. Vai aí um sentido profundo da grande tradição conservadora: não a defesa pura e simples da tradição, mas a ideia de caminhar à frente com prudência. Não pelo culto do passado, mas o respeito ao futuro. Daí a aversão ao voluntarismo, do sujeito que se põe a regular a vida dos outros com base em um punhado de ideias abstratas que, por acaso, ele tem na cabeça. Deputadas da oposição discutem com o presidente da comissão deputado Felipe Francischini (PSL-PR) e com o relator da matéria deputado Marcelo Freitas (PSL-MG) na sessão da CCJ da Câmara para votar o relatório pela admissibilidade da proposta da reforma de previdência  É curioso observar, no atual governo, que é precisamente no Ministério da Educação, usualmente associado ao conservadorismo, que se vê crescer uma certa lógica voluntarista. A ideia de reduzir recursos para universidades federais em função de “badernas” no campus, a noção de que o governo possa arbitrar a utilidade social das diferentes profissões, ou a imprudente sugestão de que alungos devam filmar os professores, em sala de aula. Quando escutei isto, não acreditei. A ideia seria criar uma legião de pequenos torquemadas digitais caçando professores-bruxos no ambiente altamente racional e ponderado das redes sociais? Acho que não é isso que o ministério deseja, e é por isso que se trata do avesso da atitude conservadora. É a ação feita de improviso, feita ao sabor da guerra cultural e sua lógica de curto prazo, sem muita preocupação com as consequências adversas daquilo que propõe. Penso que o Brasil deveria andar por outro caminho, e a inspiração poderia vir exatamente da tradição conservadora. O caminho é buscar o que melhor fizemos em nossa experiência democrática, e encontrar novas bases de consenso, em um país fraturado. Este é o primeiro aprendizado conservador: o que vale a pena preservar de nossos erros e acertos? A responsabilidade fiscal, por exemplo. Estados que a levaram a sério pagam hoje salários em dia, enquanto a pobreza cresceu 33%, no Brasil, com a aventura irresponsável que levou à crise de 2014-2016. Vai aí a lição mais elementar: que o fosso que se imaginava separando a tradição liberal da boa social-democracia é muito menor do que já se imaginou, no passado. É disso, no fundo, que trata o ciclo de reformas que o país tem pela frente: a ideia de que o ajuste estrutural do Estado hoje é condição para transformar em realidade, no futuro, a sociedade de direitos desenhada na Constituição. Da social-democracia aprendemos muitas coisas. A mais decisiva, a meu juízo, é nunca confundir a garantia de direitos com o privilégio. O BBC expressa um dirito; aposentadoria aos 50 anos, para quem quer que seja, não passa de um privilégio. Dias atrás conversava com um egresso do Prouni. Vindo de uma família muito pobre, hoje tem emprego, faz mestrado e sonha longe. “Aquilo me deu o direito de escolher”, disse ele. Me veio um filme na cabeça. O filme de um país que pode dar certo se encontrarmos o jeito brasileiro de combinar coisas que na retórica política soam divergentes: incentivos de mercado e garantia de direitos. Paulo Guedes acertou, naquela tarde desigual na CCJ, quando disse que nosso caminho não era o do Chile, mas o de um sistema de capitalização que incorporasse o sentido de solidariedade inscrito na Constituição. Ele parecia falar sozinho, assim como parece falar, no campo da esquerda, o governador petista da Bahia, Rui Costa, quando defende a reforma da Previdência, o diálogo com o governo e diz que rigor fiscal e PPPs não são coisas do demônio. A grande síntese brasileira virá de uma certa teimosia. Da aposta em gente capaz de construir pontes e fazer avançar reformas graduais. É assim que deveria andar o atual governo, e desse modo se consagrar, de fato, como um governo conservador.  (publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 02/05/19)