Que diabos significa o sucesso de Donald Trump?

Publicado originalmente na Revista Época As primárias americanas começam em fevereiro, em Iowa, mas a campanha já tem sua primeira imagem icônica: Rose Hamid, com seu véu muçulmano, sendo retirada do comício de Donald Trump na Universidade de Winthrop, na Carolina do Sul. Rose é militante do Partido Democrata e foi fazer um happening no comício de Trump. Na sua roupa, trazia a frase: “salam, eu venho em paz”. Rose conta que foi bem recebida, comeu pipoca com o pessoal da arquibancada, tudo numa boa. Até que Trump começou sua arenga vinculando refugiados sírios a militantes do Estado Islâmico. Ela se levantou, alguém falou em “bomba”, a multidão começou a gritar e a polícia entrou em ação. No outro dia, ela aparecia tranquila, dando uma entrevista na CNN, como uma efêmera celebridade. Fica a pergunta: o episódio tem alguma gravidade? ou tudo não passa de um grande espetáculo? Trump se apresenta como o americano menos racista de todos, mas tem colocado lenha na fogueira do preconceito anti-islâmico, nos Estados Unidos. Ninguém leva muito a sério, mas ele propôs fechar, por uns tempos, o país aos muçulmanos, até que se entenda melhor “o que está acontecendo”. Foi mais adiante: propôs expulsar do país todos os imigrantes ilegais (algo como 11 milhões de pessoas) e depois trazer de volta os “caras legais”. A proposta mais bizarra, e a de maior sucesso, até agora, é construir o grande muro na fronteira com o México. Karl Rowe, estrategista republicano da era Bush, fez troça, perguntando se Trump sabia que a fronteira tinha 1.254 milhas, e se tinha ideia de quanto essa brincadeira iria custar. Trump respondeu chamando Rowe de “perdedor” e dizendo “não me importo, os mexicanos é que vão pagar”. Bizarrices à parte, parece não haver dúvidas de que ele conseguiu transformar em simpatia eleitoral o desconforto contemporâneo com a explosão migratória. A lenda popular que associa a perda de empregos, a mutação de valores e a violência com a abertura comercial e os “excessos” do multiculturalismo. Vai aí um paradoxo: Trump, o empreendedor global, ícone americano do livre mercado, fatura eleitoralmente revivendo um nacionalismo caipira. Do tipo que reclama da invasão dos carros japoneses e quinquilharias chinesas. Diz que tudo anda errado na América. Que o país virou uma terra de dumping, um “tigre de papel”, e por aí vai. Numa síntese: protecionismo econômico com um toque de xenofobia. Nada que não pareça em sintonia com a onda contemporânea de partidos e movimentos ultraconservadores, na Europa, como a Frente Nacional, na França; o partido Lei e Justiça, na Polônia, ou o Partido do Povo Suíço. Isso tem lhe rendido apoios desconfortáveis. Em Iowa, uma coalisão de “nacionalistas brancos” trabalha duro para Trump. Sua última iniciativa foi financiar trezentas mil mensagens telefônicas em que se pode ouvir Jared Taylor, editor da revista American renaissance, dizendo “nós não precisamos de muçulmanos. Precisamos de gente branca esperta e bem educada, capaz de assimilar nossa cultura”. No Brasil, uma frase dessas configuraria crime inafiançável. Nos Estados Unidos, seu autor está protegido pela Primeira Emenda à Constituição. Trump rejeita o apelo racista, mas diz entender a raiva que o motiva. Aqui há um ponto importante: os EUA vivem uma transição acelerada de uma sociedade relativamente homogênea para uma sociedade multirracial e multicultural. 2011 foi o primeiro ano da história americana em que o número de bebês brancos não hispânicos foi superado pelos nascimentos “não brancos”. Em menos de três décadas, os brancos não hispânicos serão minoria nos Estados Unidos. Trump parece expressar o mal estar da transição. Mas as razões para o sucesso de Trump vão muito além do tema da imigração. Ele encarna à perfeição um tipo popular na cultura americana: o self made man, espécie de caubói contemporâneo, que se fez sozinho, não depende de ninguém e diz o que pensa. “Eu financio minha própria campanha”, repete Trump, à exaustão. “Vejam a campanha do Jeb Bush”, faz graça, “torrou 68 milhões e não consegue fazer um comício!”. Os comícios de Trump funcionam como um talk show, quando não uma comédia stand-up. Ed Pilkington, analista do The Guardian, bem observou que, antes de bombardear seus ouvintes com política, Trump os faz rir. E estamos falando de comícios com milhares de pessoas, em um ritmo alucinante. Nada parecido acontece com os demais pré-candidatos republicanos. Alguns dizem que é pelo espetáculo. As pessoas vão lá comer pipoca e se divertir, mas nada garante que terão paciência para votar nas primárias. É o que se saberá em fevereiro. O talk show de Trump é como um programa de domingo, na TV aberta. Uma sequência de gracinhas e simplificações. A mensagem básica é: tudo vai mal, nos Estados Unidos, porque colocamos as pessoas erradas para governar. Quando eu estiver lá, tudo vai mudar. Em segundo lugar, a narrativa excludente. O discurso fácil no “nós contra eles”. Em algum lugar que não me lembro onde, algo na linha do “nunca antes neste país”. A dicotomia de Trump não é entre ricos e pobres, mas entre os “espertos” e os “estúpidos”. Os estúpidos são todos os “outros”, os adversários, em especial Obama e Hilary Clinton. Estes dois, além de tudo, não gostam muito de trabalhar. Hillary faz um comício e desaparece por uma semana. Seu oponente democrata, Bernie Sanders, quer aumentar os impostos para 90%. “Alguém aqui está disposto a pagar 90% em impostos?”, pergunta Trump, e recebe uma tremenda vaia como resposta. Alguns identificam em Trump apenas um fenômeno do moderno marketing político, mas intuo que estejam errados. Por uma razão: ele não parece ser um fenômeno reproduzível. Seu maior trunfo é precisamente resgatar uma certa autenticidade perdida no teatro da política profissional americana. Trump orgulha-se de falar sem telepronter, e de fato parece dizer exatamente o que lhe vem à cabeça. Daí a gafe, a piada por vezes grotesca, o show politicamente incorreto que encanta boa parte da classe média eleitora do Partido Republicano. E a mídia: Trump obteve, até aqui, perto de 70% da cobertura das primárias republicanas.
Com nova lei do direito de resposta, Estado faz papel de editor

O Congresso Nacional errou na dose, ao regulamentar o chamado direito de resposta. Talvez seja reflexo do clima belicoso, que tomou conta da vida pública brasileira, e que não raras vezes tem oposto políticos a órgãos de imprensa. Isto deveria ser visto como normal, em uma democracia. Talvez seja normal exagerar um pouco, ao se interpretar um dispositivo constitucional. Por isso a importância em se debater o tema, com equilíbrio e isenção. O texto constitucional é econômico – ao definir o direito de resposta. Apenas estabelece que ele será “proporcional ao agravo”. A partir daí, abre-se a questão: qual a amplitude que se deve dar a esta prerrogativa? Há um longo debate sobre isto, no plano internacional. Duas vertentes predominam: a primeira, mais restrita, enfatiza o direito em seu aspecto “corretivo”. O veículo publica uma informação equivocada, por inépcia ou má fé, e o ofendido tem direito a dar sua versão dos fatos. A segunda, mais ampla, diz que o cidadão tem direito a contraditar ideias e opiniões que julgar ofensivas a sua pessoa. O ofendido passa a ocupar, com o amparo do Estado, um espécie de editoria paralela do veículo de comunicação. Trata-se de uma leitura muito particular do conceito de democracia, nos meios de comunicação. Uma vertente pouco adotada, internacionalmente. A lei aprovada pelo Congresso Nacional foi mais adiante. Criou uma interpretação amplíssima do direito de resposta. Ela diz, basicamente, que qualquer pessoa ou empresa que se sentir ofendida em sua “honra, intimidade, reputação, conceito, nome, marca ou imagem” por alguma “matéria, nota ou reportagem”, poderá requerer direito de resposta ao veículo de comunicação. Vamos imaginar: algum colunista de jornal, blogueiro, ou mesmo comentarista de uma rádio comunitária faz um comentário duro sobre a tragédia de Mariana. A Vale do Rio Doce, sentindo-se prejudicada, requer direito de resposta. Não importa que os fatos apresentados sejam falsos ou verdadeiros. O departamento jurídico da empresa aciona o veículo e pede a resposta, com espaço idêntico ao da matéria original. Se o espaço não for dado em até sete dias, a empresa vai à justiça. O juiz, a seu critério, e em rito sumário, decide a questão. Há um paradoxo aí. Por um lado, a democracia supõe liberdade de pensamento, e logo de imprensa. E é da sua natureza produzir opinião, refletir, criticar e ser objeto de crítica. Por outro, é também um direito do cidadão defender sua honra e expor sua opinião. No limite, temos um paradoxo sem solução. Se, para cada crítica, facultarmos ao criticado, com o amparo do Estado, intervir no veículo de comunicação, restaria, ao cabo, muito pouco do que hoje entendemos como liberdade de imprensa. Consagraríamos a ideia do Estado, via poder judiciário, como grande tutor do livre pensamento e do pluralismo social. Do que pode ou não ser dito, do que merece ou não ser contraditado. A Suprema Corte Americana, ainda nos anos 70, tomou uma posição bastante clara sobre este paradoxo. Sua decisão é uma verdadeira aula sobre o sentido mais amplo da liberdade de imprensa. A Corte simplesmente declarou inconstitucional qualquer legislação sobre “direito de resposta”. O argumento é de que, ao determinar que isto ou aquilo deva ser publicado em um jornal, o Estado está, de fato, fazendo as vezes de editor do jornal. Está forçando o veículo a publicar algo que, de outro modo, ele não o faria. Mais: está impondo uma pena ao veículo, uma vez que a edição forçada gera custos. Por fim, está indiretamente inibindo a livre cobertura de temas potencialmente controversos. Os Estados Unidos, por óbvio, diferem do Brasil visto que, por lá, o direito de resposta não está inscrito na Constituição. No Brasil está, mas intuo que nossos congressistas não regularam a matéria com o necessário senso de equilíbrio. É compreensível. O Congresso é formado por políticos, e políticos são usuais alvos da crítica da imprensa. E todos concordamos que isto é bom para nossa democracia. Penso que a melhor maneira de regulamentar o direito de resposta, no Brasil, seria seguir o modelo sugerido pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa. Em síntese, a recomendação europeia diz que direito de resposta deve se ater à correção dos fatos tidos como equivocados. Nunca à opinião. É certo que a fronteira que separa fatos de opiniões nem sempre é clara. Mas ao menos tem-se um critério a ser seguido pelo judiciário: o Estado não interferirá no direito à opinião, por parte do jornalista, comentarista, blogueiro ou articulista. É esta também, em linhas gerais, a posição que as Nações Unidas tem tomado, sobre o tema, e é a que me parece mais sensata, para o caso Brasileiro. Para finalizar, uma reflexão: vivemos a era do cidadão-intelectual. Milhões de pessoas, na blogosfera, nas redes sociais, expressam suas opiniões, todos os dias, freneticamente, sobre qualquer tema da nossa vida pública. De certo modo, cada cidadão torna-se, cada vez mais, um “veículo de comunicação social”. Basta postar vídeos, no Youtube, ter um site ou blog, ou manter uma conta no Facebook. O universo da comunicação é, por definição, multifacetado e pluralista. E surpreendente: um só blogueiro ou twitteiro pode alcançar mais influência do que a soma de dezenas de veículos de mídia tradicional. A parte isto, boa parte do que lemos é escutamos é produzido no exterior. Há certa ingenuidade em imaginar que este universo caótico será regulado pelo Estado. Intuo que seria melhor, para nossa democracia, deixar que à própria sociedade a tarefa de filtrar o que é boa ou má informação. A cada indivíduo, em última instância. Judicializar o conflito de opiniões e visões de mundo não me parece uma boa ideia. Isto sem prejuízo de que, a qualquer momento, o cidadão possa recorrer à justiça quando se sentir ofendido. Como já ocorre hoje. A imprensa livre é um das pedras angulares da democracia, e assim tem sido no Brasil, nestas mais de três décadas, deste transição do regime autoritário. E é preciso reconhecer que nossa imprensa, com erros e acertos, tem cumprido muito bem o seu papel.
As lições do rinoceronte quindim

Em Caçadas de Pedrinho, Monteiro Lobato conta a história do Rinoceronte Quindim. O bicho fugiu do circo e foi se esconder no Sítio do Pica Pau Amarelo. Avisado, o governo não perdeu tempo: criou o Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte. Com tudo a que tem direito, um chefe, doze assessores, uma boa datilógrafa. O maior desafio do departamento era justamente não encontrar o Quindim. Se encontrasse, ele perderia a função, e sumiriam os empregos do pessoal. Exagerou um pouco, nosso grande escritor. O departamento podia até pegar o rinoceronte, e continuar funcionando. Bastava inventar que tinha muitos bichos fugitivos por aí. Fazer uns protestos e explicar que seria uma calamidade fechar a repartição. A sátira de Lobato deveria ser leitura obrigatória pra quem ocupa função pública, no Rio Grande do Sul. Ela trata de um tipo de irracionalidade comum no setor público. Do Estado que só cresce, nunca diminui. Dos orgãos públicos que são criados, ao longo do tempo, e nunca são repensados. Mesmo que o mundo tenha mudado, a tecnologia tenha avançado e todos os rinocerontes já tenham sido caçados. Imagine uma empresa gráfica criada no início dos anos 70, no auge do milagre Brasileiro. Seu objetivo era executar serviços gráficos. Diário Oficial do Estado, Diário da Assembleia, Diário da Justiça, Diário da Indústria, etc. Presumivelmente, à época, o mercado gráfico era menor, com menos tecnologia, e por óbvio sem a chance de fazer publicações digitais. Quatro décadas depois, os poderes são independentes, com suas próprias publicações. Quase tudo pode ser publicado na internet e contratado a melhor preço no mercado. Um caso interessante é o das televisões educativas. Não me refiro a esta ou aquela emissora estatal. A regra vale para todas. O sistema foi regulado pela Lei 239/67, com a finalidade de oferecer “programas educativos, mediante a transmissão de cursos, palestras, conferências e debates”. Viviamos em pleno regime militar, o País apresentava um severo deficit de acesso à educação básica e, por óbvio, não havia nada parecido com a internet. Passado quase meio século, qualquer indivíduo tem acesso gratuito a uma quantidade de cursos, palestras e debates que não poderia acompanhar, mesmo que vivesse mil anos. Produções feitas em Porto Alegre ou na Província do Quebec, não importa. Informação instantânea e abundante, feita pela comunidade, pelos indivíduos, universidades e pelo mercado. Mas continuamos achando essencial que o Estado faça a mesma coisa, com nossos impostos. Nosso Estado tem uma máquina pública grande e ineficiente. Ela custa, todos os meses, R$ 400 milhões a mais do que o governo arrecada. É ilusão imaginar que haverá alguma solução mágica para isso. O governo tem, de um modo bastante simples, duas opções. A primeira é manter a máquina do jeito que está, e aumentar a carga tributária. Passar a conta ao contribuinte. A segunda alternativa é passar à limpo a estrutura do Estado. Fazer o que qualquer pessoa faz, quando anda gastando mais do que recebe. Trata-se de uma solução que traz alguns custos de curto prazo, e benefícios difusos, ao longo do tempo. Para esta parte da reforma, sugiro um roteiro para avaliar cada um dos serviços prestados pelo Estado, suas empresas, autarquias, fundações, institutos, departamentos, parques, próprios, legislações e programas. O roteiro é feito de três perguntas simples: é função do Estado prover este serviço? Se a resposta for sim, parte-se para a segunda questão: trata-se de uma prioridade? Prioridade em um estado agudamente deficitário, com virtualmente nenhuma capacidade de investimento? Se a resposta for um novo sim, parte-se para a terceira pergunta: o serviço deve ser gerido diretamente pela máquina pública? Ele não pode ser contratado, a menor custo, no setor privado? Ou executado em parceria, via contratos de gestão, com o terceiro setor? Vai por ai o caminho da reforma do Estado. Ela é boa para o cidadão, que voltará a ter um estado com capacidade de investir. É boa para os funcionários, que cumprirão funções estratégicas em um Estado eficiente. E será o caminho de um governador estadista, disposto a inaugurar o futuro, ao invés de fazer o mesmo de sempre. (Texto originalmente publicado na Revista Voto)
Da agenda fiscal e reforma estrutural

A crise fiscal tem sido um tema recorrente, no Rio Grande do Sul. Salta aos olhos a informação de que, nos últimos quinze anos, apenas entre 2007 e 2009 o Governo alcançou resultado orçamentário positivo. A boa notícia é que o Governo do Estado vem apresentando clara disposição de enfrentar o problema. O projeto da LDO, recentemente aprovado na Assembleia Legislativa aponta nesta direção. O ponto é que é preciso dar uma passo adiante. Para equacionar seu problema de longo prazo, o Estado precisa migrar da pauta fiscal para a reforma estrutural do setor público. Seja por conservadorismo, seja pelo acirrado conflito político ou pela força das corporações, o Estado tem falhado nisso. É hora de enfrentar o problema. A modernização supõe repensar a ampla malha de órgãos públicos, departamentos, equipamentos, fundações, autarquias e empresas estatais, assim como eventuais distorções e privilégios existentes na máquina pública. Institutos que, se fizeram sentido no passado, eventualmente hoje não o façam mais. Bom exemplo disso é o projeto do Governo extinguindo as chamadas “licenças prêmio”, na máquina do Estado. Ao passar a limpo a estrutura do Estado, cabe ao governo fazer algumas perguntas muito simples: este instituto ou órgão público ainda corresponde a sua função? Os contribuintes escolheriam continuar pagando por eles? Há uma maneira mais eficiente de prestar este ou aquele serviço? Para citar um exemplo, o Estado conta, desde 2008, com uma legislação que faculta ao Estado a contratualização da prestação de serviços públicos com organizações privadas, sem fins lucrativos, qualificadas como organizações da sociedade civil de interesse público. Trata-se de uma legislação moderna e devidamente regulamentada. Pronta para ser utilizada pelo Estado. Legislações similares tem produzido excelentes resultados, seja na União ou em diversos estados. Os exemplos vão desde a gestão do Impa, nosso notório Instituto de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro, passando pelo hospital Sara Kubischeck, em Brasília, até a rede de organizações sociais da saúde, os hospitais OS, do Estado de São Paulo. Ao contrário do que muitas vezes se imagina, trata-se de um movimento a favor, e não contra, a profissionalização e valorização do quadro de funcionários do Estado. Eles serão convidados a assumir novas responsabilidades, de natureza estratégica, na definição de metas e controle de resultados, ao invés de simplesmente gerir e prestar serviços em um modelo burocrático. Por que o Rio Grande tem ficado para trás, neste processo? No fundo, trata-se de uma escolha. Continuar insistindo em velhos preconceitos, ou apostar na inovação. Lembrando que, no setor público, frequentemente, onde há maior preconceito há, não por coincidência, maior potencial de inovação.
O capitalismo fair play

No alto do Grand Canyon, há um aviso pedindo que os turistas não alimentem os animais. E com uma explicação. Eles vão gostar de ganhar um biscoito, mas vão se acostumar, e com o tempo perderão o ânimo de caçar por conta própria. O economista italiano Luigi Zingales gosta de contar esta história, e diz que o mesmo vale para o mundo dos negócios. Cita o modo como foi feito o resgate dos bancos americanos, na crise de 2008. Uma vitória da K Street, a meca do lobby da indústria financeira, em Washington, sobre o “contribuinte indefeso”. Em geral é assim, quando o governo dá uma ajuda. Alguns ganham, e quase todos pagam a conta, de um jeito ou outro, no longo prazo. Zingales esteve no Brasil, na outra semana, para lançar seu livro, Capitalismo para o Povo. O livro é uma espécie de manifesto contra o que ele chama de “capitalismo de compadres”. Poderia ser “estatismo de compadres”, daria na mesma. O conceito cai como uma luva em um país como o Brasil. País do BNDES e seus “campeões nacionais”; da política de “conteúdo local” nas compras do pré-sal; do nosso “presidencialismo de coalisão”, de vezo patrimonial, movido a vinte e três mil cargos de confiança; da incrível máquina de sindicatos atrelados ao estado, sustentados via imposto sindical. Zingales trás algo novo ao debate público: defende que a economia de mercado pode ser uma bandeira popular. Em diversas partes de seu livro, menciona os movimentos Occupy Wall Street e Tea Party. Nas alegorias tradicionais da política, eles não teriam nada em comum. Para Zingales eles expressam um mesmo mal estar. O mesmo, quem sabe, que assistimos nas ruas do Brasil, em 2013 e 2015. Por vezes é a orgia de dinheiro público nos estádios da Copa; por vezes é a corrupção na Petrobrás. Mas o fio condutor é o mesmo: a zona cinzenta, pouco republicana e eticamente insustentável entre a política e o mundo dos negócios. Zingales diz que não é um filósofo moral, mas há uma evidente base filosófica em tua teoria. Ela diz que o senso de justiça das pessoas não requer que a distribuição da renda, na sociedade, seja mais ou menos igualitária. A exigência dos cidadãos diz respeito ao fair play. Todos querem ganhar, mas antes de tudo querem que o jogo seja limpo. Isso requer não apenas regras iguais, mas certa equivalência nas condições de partida de cada um, na sociedade. Numa analogia com o futebol, ficamos furiosos com os 7 a 1, na Copa, mas ninguém reclamou que o resultado foi injusto. É como funciona a meritocracia: aceitamos que o resultado se defina pelo talento, ou mesmo pelo acaso. O que não vale é o truque, a sensação de jogo-jogado. Vem daí a ideia de um certo nivelamento do sistema de oportunidades. E este é o foco de Zingales. Não é pouca coisa. Isso requer, por exemplo, o acesso de todos a uma escola de qualidade. De cara, rodaria no teste o modelo África-do-sul-na-época-do-apartheid, que vigora no Brasil, em que os mais ricos estudam em boas escolas e os mais pobres nas escolas “do governo”. O que diferencia os dois modelos é, essencialmente, a existência ou não de competição. As escolas estatais funcionam à base de um duplo monopólio: elas não podem ser “descontratadas” pelos estudantes, e não podem, por sua vez, descontratar seus piores professores. O modelo funciona como uma máquina de gerar desigualdade social, mas vamos levando. Zingales observa que, nas devidas proporções, é o mesmo que ocorre nos Estados Unidos. E não é à toa que define o “lobby da escola pública” como o mais poderoso lobby norte-americano. Ele custa U$ 56 milhões, anualmente, é bancado pelos sindicatos de professores públicos. É o lobby do status quo, em educação, que torna sem sentido a ideia do “sonho americano” para a maioria da população. A proposta de Zingales é simples: que o estado financie a educação, mas largue de fazer a gestão das escolas. Ofereça um vale-educação e permita que os estudantes mais pobres estudem nas mesmas escolas em que estudam os alunos de famílias com maior renda. Fair play, nos pontos de partida. Atenção aos alunos, não ao lobby dos sindicatos. A agenda sugerida por Zingales passa ao largo da habitual clivagem “esquerda x direita”, que há tempos envenena nosso debate político. Seu tema central é como fazer com que a definição de políticas públicas expresse de modo mais apurado os interesses difusos da sociedade, em uma perspectiva de longo prazo. Como evitar que o espaço público seja capturado por grupos de interesse, de dentro e de fora da máquina pública. Uma forma de fazer isto é evitar a expansão contínua do aparato estatal. Quanto maior o tamanho do bolo, diz Zingales, mais incentivo as empresas e corporações terão para abocanhar sua fatia. Ao cidadão interessa um Estado enxuto, porém rigoroso na defesa igualitária de direitos. Garantidor de equidade, e por isso avesso à miríade de vinculações, monopólios, privilégios funcionais, subsídios e incentivos fiscais setoriais. Subsídios e incentivos fiscais funcionam como uma espécie de ladeira escorregadia. Concedidos a um determinado setor, dificilmente serão recusados aos demais. Cada setor terá sempre bons argumentos a seu favor. Dirá que o segmento X ou Y também recebeu, que outros países fazem a mesma coisa, e que é preciso gerar empregos. Qualquer lobista tem na ponta da língua o número de empregos que irão pelo ralo se o governo cortar o seu subsídio favorito. E terá muita gente a seu lado, falando grosso. Incentivos são como gatos de sete vidas. Feitos para estimular, temporariamente, uma atividade econômica, tendem à imortalidade. Vide o caso clássico da Zona Franca de Manaus, com seus quase cinquenta anos e incentivos recém prorrogados até 2073. Tudo para criar uma indústria muito cara, e até hoje muito pouco competitiva. Observe-se o bem sucedido lobby das montadoras brasileiras para renovar, ano a ano, a redução do IPI para automóveis, com os sabidos efeitos sobre o caos urbano brasileiro. Vide o
Painel Globonews discute possível perda de sentido de ordem do Brasil

No mês que antecede a Copa do Mundo, vários grupos começam a se organizar e formar greves e protestos contra o governo. Em São Paulo, greve de rodoviários parou a cidade. Pelo Brasil, a Polícia Civil fez paralisação em algumas cidades. Fernando Schüler participa do programa Clique no link abaixo para assistir https://www.youtube.com/watch?v=bZysFEeQUSQ
Entrevista Fátima Bernardes: Fernando Schüler fala sobre as manifestações de junho

O cientista político Fernando Schüler esteve no programa “Encontro”, de Fátima Bernardes, onde falou sobre as manifestações populares de junho de 2013. Clique no link abaixo para assistir https://globoplay.globo.com/v/2640869/