Em Caçadas de Pedrinho, Monteiro Lobato conta a história do Rinoceronte Quindim. O bicho fugiu do circo e foi se esconder no Sítio do Pica Pau Amarelo. Avisado, o governo não perdeu tempo: criou o Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte. Com tudo a que tem direito, um chefe, doze assessores, uma boa datilógrafa.
O maior desafio do departamento era justamente não encontrar o Quindim. Se encontrasse, ele perderia a função, e sumiriam os empregos do pessoal. Exagerou um pouco, nosso grande escritor. O departamento podia até pegar o rinoceronte, e continuar funcionando. Bastava inventar que tinha muitos bichos fugitivos por aí. Fazer uns protestos e explicar que seria uma calamidade fechar a repartição.
A sátira de Lobato deveria ser leitura obrigatória pra quem ocupa função pública, no Rio Grande do Sul. Ela trata de um tipo de irracionalidade comum no setor público. Do Estado que só cresce, nunca diminui. Dos orgãos públicos que são criados, ao longo do tempo, e nunca são repensados. Mesmo que o mundo tenha mudado, a tecnologia tenha avançado e todos os rinocerontes já tenham sido caçados.
Imagine uma empresa gráfica criada no início dos anos 70, no auge do milagre Brasileiro. Seu objetivo era executar serviços gráficos. Diário Oficial do Estado, Diário da Assembleia, Diário da Justiça, Diário da Indústria, etc. Presumivelmente, à época, o mercado gráfico era menor, com menos tecnologia, e por óbvio sem a chance de fazer publicações digitais. Quatro décadas depois, os poderes são independentes, com suas próprias publicações. Quase tudo pode ser publicado na internet e contratado a melhor preço no mercado.
Um caso interessante é o das televisões educativas. Não me refiro a esta ou aquela emissora estatal. A regra vale para todas. O sistema foi regulado pela Lei 239/67, com a finalidade de oferecer “programas educativos, mediante a transmissão de cursos, palestras, conferências e debates”. Viviamos em pleno regime militar, o País apresentava um severo deficit de acesso à educação básica e, por óbvio, não havia nada parecido com a internet.
Passado quase meio século, qualquer indivíduo tem acesso gratuito a uma quantidade de cursos, palestras e debates que não poderia acompanhar, mesmo que vivesse mil anos. Produções feitas em Porto Alegre ou na Província do Quebec, não importa. Informação instantânea e abundante, feita pela comunidade, pelos indivíduos, universidades e pelo mercado. Mas continuamos achando essencial que o Estado faça a mesma coisa, com nossos impostos.
Nosso Estado tem uma máquina pública grande e ineficiente. Ela custa, todos os meses, R$ 400 milhões a mais do que o governo arrecada. É ilusão imaginar que haverá alguma solução mágica para isso. O governo tem, de um modo bastante simples, duas opções. A primeira é manter a máquina do jeito que está, e aumentar a carga tributária. Passar a conta ao contribuinte.
A segunda alternativa é passar à limpo a estrutura do Estado. Fazer o que qualquer pessoa faz, quando anda gastando mais do que recebe. Trata-se de uma solução que traz alguns custos de curto prazo, e benefícios difusos, ao longo do tempo.
Para esta parte da reforma, sugiro um roteiro para avaliar cada um dos serviços prestados pelo Estado, suas empresas, autarquias, fundações, institutos, departamentos, parques, próprios, legislações e programas. O roteiro é feito de três perguntas simples: é função do Estado prover este serviço? Se a resposta for sim, parte-se para a segunda questão: trata-se de uma prioridade? Prioridade em um estado agudamente deficitário, com virtualmente nenhuma capacidade de investimento?
Se a resposta for um novo sim, parte-se para a terceira pergunta: o serviço deve ser gerido diretamente pela máquina pública? Ele não pode ser contratado, a menor custo, no setor privado? Ou executado em parceria, via contratos de gestão, com o terceiro setor?
Vai por ai o caminho da reforma do Estado. Ela é boa para o cidadão, que voltará a ter um estado com capacidade de investir. É boa para os funcionários, que cumprirão funções estratégicas em um Estado eficiente. E será o caminho de um governador estadista, disposto a inaugurar o futuro, ao invés de fazer o mesmo de sempre.
(Texto originalmente publicado na Revista Voto)