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O Brasil precisa aprender a fazer escolhas difíceis

O ex-Presidente Fernando Henrique afirmou, tempos atrás, que o Brasil precisa de uma nova onda de privatizações. “O que puder privatizar, privatiza”, disse FH, “ou você terá outro assalto ao Estado por parte dos setores políticos e corporativos”. O diagnóstico deixou muita gente surpresa. Na algazarra das redes sociais, Fernando Henrique costuma ser tratado como um teimoso social democrata, avesso a reformas de mercado e à retórica liberalizante. Injustiça. Em seu governo, o ex-Presidente estabilizou a economia e comandou um amplo programa de privatizações. Mas isto são aguas passadas. Seu diagnóstico é para hoje. Seu foco é apontar um dos tantos caminhos que o País terá de trilhar se quiser sair desta crise, lá adiante, melhor do que entrou. O raciocínio de FH é simples: quanto mais áreas da economia funcionarem sob a logica do mercado político, mais incentivo existirá para sua “captura” – por vias legais ou ilegais. Na prática: se há boa chance de obter um financiamento a juros subsidiados no BNDES por que as empresas buscariam competitividade no mercado de crédito privado? O mesmo vale para temas de regulação e política fiscal. Os economistas Marcelo Curado e Thiago Curado conduziram um estudo mostrando que as isenções fiscais (envolvendo incentivos para a indústria automobilística, Zona Franca de Manaus e uma enorme gama de benefícios setoriais) saltaram de R$ 24 bilhões para R$ 218 bilhões entre 2004 e 2013. Ao invés de optar por um modelo de impostos baixos e igualdade diante da lei, escolhemos o caminho inverso: carga tributária alta e alocação desigual, segundo a capacidade de pressão de cada setor econômico. Curiosa lógica tropical: oneração fiscal para todos e desoneração para muitos, de acordo com critérios e regras frequentemente difíceis de compreender. A mesma lógica invade o sistema político. Exemplo perfeito é o curioso sistema de fatiamento do orçamento federal com base nas chamadas “emendas parlamentares”. Cada parlamentar pode apresentar até 25 “emendas individuais,” no valor total de R$ 15,3 milhões (ano base 2017). Os recursos vão para as regiões e prefeituras da base eleitoral do parlamentar. Servem como moeda eleitoral e criam uma enorme vantagem competitiva para os candidatos detentores de mandatos. Geram desigualdade eleitoral e dificultam a renovação política. O Governo, por sua vez, dita o ritmo da liberação das emendas conforme sua conveniência política. Patrimonialismo em dose dupla: do deputado em relação a sua base política e do governo em relação ao parlamento. O custo, como de hábito, vai para o contribuinte. O País apostou, desde o processo de redemocratização, em uma combinação explosiva: um Estado grande e interventor, com ampla capacidade de alocação discricionária de recursos, e um sistema de financiamento empresarial de campanhas. Durante décadas, incentivamos nossos candidatos, de vereador a presidente, a sentar em uma mesa e pedir dinheiro aos mesmos empresários que logo ali à frente concorreriam para administrar um sistema de abastecimento de agua, no município, ou fariam lobby, no Congresso, para obter um regime fiscal especial. Um modelo fadado a produzir os resultados que ora estamos colhendo. O problema foi, em parte, corrigido em 2015, quando o STF proibiu o financiamento empresarial de campanhas. Tratou-se da face mais simples do problema, e em grande medida ilusória. Empresários podem fazer contribuições na “pessoa física”, para não falar da praga do caixa dois. A questão central é enfrentar o lado mais difícil do problema: diminuir a vulnerabilidade do Estado brasileiro à pressão dos interesses especiais. À lógica das corporações, do lobby empresarial e do próprio sistema político. Para que isto aconteça, não há outra saída: o Estado precisa diminuir de tamanho. Fernando Henrique tem razão, neste sentido. É preciso transferir os recursos do FGTS para gestão privada e concorrencial; privatizar as empresas que produzam bens e serviços de mercado; migrar o sistema previdenciário para modelos de capitalização; contratualizar a prestação de serviços públicos não exclusivos de Estado com o setor privado (como já se faz com as organizações sociais da saúde); fechar velhas autarquias e fundações estatais criadas no período anterior à Constituição e que hoje perderam relevância social e econômica. Há uma extensa agenda aí. Uma agenda de desestatização da sociedade e despatrimonialização do sistema político. Sua execução exige clareza e liderança política. Exige mais: um novo “consenso majoritário” da sociedade voltado à modernização do Estado. Algo da mesma dimensão que soubemos produzir, nos anos 80, em torno da redemocratização do País. Não se trata de tarefa simples. Fazer escolhas difíceis nunca foi uma especialidade brasileira. Ainda sofremos para consolidar a reforma trabalhista e para fixar uma idade mínima para a previdência que países como Chile e Argentina há muito estabeleceram. Nosso maior risco, no fundo, é a inércia. Ver o tempo passar, jogar fora o esforço feito com a aprovação da PEC do gasto público, assistir o custo previdenciário corroer lentamente as contas públicas. Tropeçar na armadilha da renda média e das velhas ilusões. Envelhecer, quase sem notar, antes mesmo de nos tornarmos jovens. (publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 25 de junho de 2017) Fernando Schuler é cientista político e professor do Insper

Obsessão com identidades e histeria conservadora desafiam democracia

Num ano em que o Congresso discutiu reformas fundamentais para o país, os debates que parecem ter mobilizado mais as pessoas –e não só na arena digital– dizem respeito a exposições de arte, nudez, questões de gênero, raça e sexualidade. Qual a explicação para isso? Há consenso de que nos tornamos uma democracia mais instável, polarizada, feita de muito barulho e pouca comunicação. A lógica das políticas de identidade tem algo a ver com isso? E os novos conservadorismos? O que esperar quando questões éticas e estéticas abrangentes, que por definição nos separam, passam a definir a pauta do debate público? Mark Lilla, professor da Universidade Columbia, em artigo provocante no jornal “The New York Times”, sugeriu que os temas de identidade passaram do ponto em nossa democracia. Ele afirma que o progressismo americano anda imerso em um tipo de “pânico moral em função de temas de gênero, raça e identidade sexual” e corre o risco de perder sua capacidade de tratar das grandes questões comuns. Diz que a campanha da democrata Hillary Clinton, a cada comício falando para mulheres, latinos, LGBT e afro-americanos, produziu uma legião de excluídos: os “não citados”, em boa medida galvanizados por Donald Trump. Lilla é duro: sustenta que a fixação na diversidade produziu “uma geração de progressistas narcisisticamente desligados das questões alheias a seu grupo de referência”. O objetivo era dar uma chacoalhada no Partido Democrata —o professor parece culpar a onipresença da retórica identitária pela derrota de 2016. Ecoa, de certo modo, a crítica de Bernie Sanders. E tem um ponto. Em uma entrevista, cita o guru direitista republicano Steve Bannon: “Enquanto vocês estiverem falando de políticas de identidade, nós ganharemos”. O assunto não se inscreve apenas no universo americano. O debate identitário é hoje um tema da democracia —e afeta também o Brasil. A atriz Taís Araújo causou algum ruído ao afirmar que vive num país em que as pessoas atravessam a rua quando cruzam com seu filho, negro como ela; o mesmo fez o professor Ives Gandra Martins, dizendo ser difícil viver no Brasil de hoje não sendo homossexual, negro ou índio. Ambos foram satirizados, e suas falas por óbvio contêm exagero. Mas são um sintoma. Estaríamos adquirindo traços de obsessão identitária e certa histeria conservadora, na linha descrita por Lilla? Tudo indica que sim, e é muito provável que se encontre aí uma das raízes do atual mal-estar de nossa democracia. ACORDO POLÍTICO Para começar, um passo atrás. A democracia é filha das sociedades de direitos que emergiram no mundo moderno, num longo curso de sedimentação dos valores da tolerância e igualdade de todos diante da lei. John Rawls definiu seu desafio central: obter um grande acordo entre pessoas que divergem fundamentalmente sobre temas de natureza filosófica, religiosa ou moral. Isto é, entre pessoas que seguem visões verdadeiras, ainda que mutuamente excludentes, a respeito de questões centrais da vida humana. Para Rawls, o único acordo possível deve se dar no âmbito político, não metafísico. Ou seja, num plano abaixo da retórica moral, e por isso capaz de aproximar pessoas que de outra forma viveriam em uma eterna guerra de posições. É precisamente nesse plano que se encontra a ideia da “grande sociedade” e sua organização formal à base de direitos e respeito à diferença. Movimentos identitários foram fundamentais em sua construção. É o que mostram as lutas pelos direitos civis, nos anos 1960, e pela não discriminação sexual, em nosso tempo. É o que se lê no manifesto seminal do Combahee River, grupo feminista negro que atuou em Boston de 1974 a 80 —sua razão de ser é “a crença compartilhada de que mulheres negras são inerentemente valiosas”. Ocorre que, após a Guerra Fria, assistiu-se a uma curiosa inflexão. Ao mesmo tempo em que democracias foram se tornando mais inclusivas e se consagraram novos direitos (símbolo disso é a legalização do casamento gay pela Suprema Corte americana, em 2015), a retórica da identidade e da diversidade ultrapassou em muito a noção universalista de integração de todos à sociedade de direitos, passando a funcionar como força de fragmentação do espaço democrático. Nos EUA, nota-se isso particularmente nos campi universitários e em movimentos vagamente associados ao Partido Democrata. A retórica é agressiva e a visibilidade de cada tipo de identidade é seletiva, a depender da capacidade do segmento para agir e obter legitimidade na esfera pública. O resultado é uma forma paradoxal de exclusão. A luz jogada sobre uns produz sombra logo do outro lado. É exatamente o argumento de Lilla ao se referir, como exemplos, aos trabalhadores brancos empobrecidos e a grupos religiosos. A lógica da exclusão carrega um elemento “nonsense”, que aproxima a atitude de grupos identitários e conservadores: a ideia, algo mística, de que o pertencimento a uma identidade ou crença possa produzir alguma superioridade moral em relação ao outro. Não é diferente do que se passa no Brasil. É o que torna legítimo agir com ira santa contra o lançamento de um filme que não retrata “adequadamente” a escravidão ou vetar o uso de uma vestimenta que não pertença a sua própria cultura. Tudo isso soa absurdo, mas se tornou parte do cotidiano de nossas guerras culturais. Vêm daí o veto ao direito de expressão a quem pensa diferente ou os atos hostis contra uma filósofa vista como ameaça aos bons valores (como ocorreu vergonhosamente com Judith Butler em sua visita ao Brasil). Acentua-se uma ambivalência nos movimentos identitários. De um lado, uma visão inclusiva quanto a direitos, que reage à discriminação e demanda que todos façam parte do jogo; de outro, uma visão excludente, na qual a política surge como expressão-de-si, como projeção de um tipo de pertencimento (regionalidade, raça, crença), em vez do exercício da persuasão no espaço público. “Não somos apenas indivíduos”, diz Richard Spencer, “não somos apenas almas ou cérebros, sem gênero e raça, existindo no universo. Nós temos raízes.” Spencer é guru da alt-right, aglomerado supremacista americano. Seu ponto é claro: a negação do universalismo liberal, da alteridade, da ideia iluminista de superação-de-si através da palavra e do argumento. O

Há mesmo algum problema com o modelo de negócios do Facebook?

Não tenho nada contra ou a favor do Facebook. Não conheço a empresa e atualizo muito pouco minha página na rede. Praticamente todas as (poucas) vezes em que me aventurei a discutir qualquer coisa na rede, foi frustrante. Posts rápidos, feitos no calor da hora, são um péssimo veículo para qualquer argumentação lógica e ponderada. Não tenho nenhum dado para saber se, no somatório de prós e contras, a existência do Facebook piorou ou melhorou a qualidade da democracia. Possivelmente nunca se saberá. O que se percebe é que a rede faz muita gente perder um tempo infinito bisbilhotando a vida dos outros e postando fotos e mais fotos de gatinhos, netinhos e churrascos na praia. Dito isto, acho uma grande bobagem a onda que se formou, nos últimos tempos, de atacar a empresa em função de seu “modelo de negócio”, seus “algoritmos” e pela difusão incontrolada de fake news. Quanto às fake news, vamos ser claros: o Facebook não tem nenhuma responsabilidade sobre o tema. A rede social é simplesmente uma plataforma na qual milhões e pessoas disponibilizam informações a seus amigos, e são elas as responsáveis pela falsidade ou veracidade da informação. Se uma vovó postar a foto de um gatinho falso na rede, e você compartilhar, a culpa —definitivamente— não é do Mark Zuckerberg. Alguém aí acha que a fake news criada pela comissão do Senado, garantindo não existir déficit na previdência social, é de responsabilidade da instituição Congresso Nacional? A comparação pode não ser perfeita, mas toca no ponto central: são os amantes que produzem fake news, não o sofá da sala. Quanto ao modelo de negócio, o tema é bastante simples: o Facebook é uma empresa privada, não uma ONG global. Eugênio Bucci, amigo e jornalista pelo qual tenho grande admiração, chama a empresa de “conglomerado que fatura montanhas de dólares explorando multidões escravizadas”. Não concordo. Não há ninguém escravizado pelo Facebook. Se as pessoas entram lá e colocam seus desabafos e fotos sem camisa é simplesmente porque imaginam estar ganhando alguma coisa em troca. Percebem algum valor gerado pela rede. Promovem ideias ou exibem o novo corte de cabelo, não importa. Valor é uma medida subjetiva e intransferível. Não há nenhuma deslealdade no modelo, e nenhum tipo de violência envolvida. A mais: não há nenhum problema com a montanha de dólares recebida pela empresa. Isto só mostra a montanha de valor que ela gera. Se os ventos mudarem e a concorrência se tornar mais eficiente, a montanha irá rapidamente se transformar em um baldinho de areia. Sobre os algoritmos, vejo por aí muito barulho e (quase) nenhuma informação objetiva. Vamos supor que seja verdade que alguma equação maquiavélica, guardada a sete chaves na gaveta de Zuckerberg, em Menlo Park, efetivamente favoreça o contato de cada usuário com pessoas ou ideias mais próximas de seu perfil. Vamos lá: pessoas que tem histórico de gostar de literatura receberiam mais informação sobre livros, ao invés de reality shows. O sistema faria desaparecer conteúdos com os quais não nos identificamos. Ok, isso não parece lá muito pluralista. Mas não é exatamente as pessoas fazem o tempo todo, deletando os amigos que divergem de suas posições políticas, religiosas ou morais? Seria mesmo a rede a responsável pela “tribalização”, ou é nossa própria cabeça que tende a funcionar de um modo tribal? Penso que faz falta, em nosso debate público, uma compreensão mais adequada sobre como funciona esta grande máquina processadora de escolhas individuais que é o mercado. Se alguém não estiver satisfeito com os termos do negócio proposto por ​Zuckerberg, ou qualquer outro, basta dar alguns cliques e sair da rede. Simples assim. A carta de alforria já vem assinada no ato da compra. (publicado originalmente na Folha de São Paulo, em fevereiro de 2018) Fernando Schüler É cientista político, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento.

A universidade e o espírito de partido

Sempre achei curiosa a figura do intelectual apaixonado por um partido político. Isto não é coisa recente. Madame de Stäel já denunciava o “espírito de partido” que impregnava a intelectualidade francesa à época da Revolução. O historiador Paul Johnson comparou o intelectual a uma espécie de “cura moderno”, tendo a ideologia tomado gradativamente o lugar um dia ocupado pela religião. Thomas Sowell tentou uma explicação: o intelectual é um tipo cujo trabalho começa e termina no mundo das ideias. Diferente do que ocorre com um médico ou engenheiro, ninguém lhe cobra, no final do dia, pelas consequências produzidas pelas suas ideias no mundo real. Essas coisas me vinham à cabeça enquanto observava o debate sobre os “cursos do golpe” que se disseminaram em nossas universidades federais, no primeiro semestre de 2018. Ao contrário de muita gente, nada disso me surpreendeu. Há muito acompanho o processo de ideologização do ensino de humanidades, em nossas universidades e escolas públicas, e o surgimento desses cursos me pareceu mais do mesmo. Talvez exista uma única novidade nisso tudo: o strip-tease. O elemento explícito do proselitismo político e da imposição do conceito enviesado desde o início. Ao invés de promover um seminário sobre democracia no Brasil e argumentar sobre o suposto golpe, transforma-se a tese em um grosseiro tipo de verdade histórica. Seria como promover um curso sobre a revolução francesa, conceito devidamente estabelecido após uma longa sedimentação intelectual e acadêmica. No caso do golpe de 2016, encurta-se o caminho: o conceito sai direto da retórica do partido para academia. Para exercitar a imaginação, imagine-se a situação inversa: um professor de inclinação política divergente decide criar uma disciplina chamada “Irresponsabilidade fiscal, crime de responsabilidade e colapso econômico no Brasil 2014-2016”. Seria grotesco, por uma razão básica: o que deveria representar um lado do argumento ganha status de leitura institucional. Agride-se um princípio clássico da ética moderna: uma ação é correta quando o princípio que a orienta pode ser considerado válido para todos. Nossos avós já sabiam disso, quando pediam que não fizéssemos aos outros o que não gostaríamos que fizessem conosco. Se a regra dos que hoje promovem este tipo de curso fosse aplicada pelos outros, no que exatamente se transformariam nossas universidades? Confesso que isso tudo me soa imensamente banal. Acho graça da tentativa de oferecer alguma dignidade ao tema, falando-se em relativização da narrativa história, ou mesmo em autonomia universitária e liberdade acadêmica. Não passa de um truque lançar mão de uma reação equivocada do Ministro da Educação, sugerindo algum tipo de intervenção na atividade dos professores. Nem o Ministro, nem ninguém, tem poder algum para fazer isso. E nem deve ter. Este é o ponto central. A força da universidade sempre residiu em um acordo de mútua responsabilidade. Professores dispõem de liberdade acadêmica, mas recusam a tentação da captura privada do espaço público, que é a própria universidade, mesmo tendo poder para agir dessa maneira. É este precisamente este acordo que não estamos sabendo respeitar, no Brasil de hoje. Aqui há um ponto interessante. O conceito de liberdade acadêmica só pode ser devidamente compreendido quando subordinado à razão de ser de uma instituição de ensino. O professor tem liberdade para discutir qualquer tema que diga respeito a sua disciplina, ponderar argumentos divergentes e sua própria convicção sobre um assunto, se julgar pertinente. Max Weber tratou disso em “A ciência como vocação”. Um texto indispensável para todos que gostam de educar. Seu ponto era claro: a sala de aula não é espaço para o profeta ou para o demagogo. Não passa de um truque a atitude de um professor que usa de sua autoridade para impor sua visão política a uma plateia de alunos em posição desigual. Mais grave ainda é se isto for feito desde uma posição institucional, naturalizando-se como verdade histórica, a partir do título de uma disciplina, aquilo que não deveria passar de um objeto cuidadoso de argumentação e contra-argumentação. O que assistimos, nesse episódio todo, é um capítulo a mais na confusão entre o público e o privado que marca nossa tradição institucional. Ledo engano imaginar que o padrão patrimonialista, que marca nossa formação, deveria se expressar apenas no mundo político. Ele surge também na universidade, a partir da captura do espaço público de educação pela retórica, por definição privada, do partido e da facção. No fundo, um sinal a mais da fragilidade de nossa cultura republicana e do quanto ainda temos que avançar. (originalmente publicado na Folha de São Paulo, em março de 2018) Fernando Schüler é cientista politico e professor do Insper. 

A educação e a armadilha da crise do Estado

O papo estava descontraído, antes de um debate, e o professor me comentou que não fazia chamada, em suas turmas. “Na minha aula vem quem quer”, disse ele. “Fica menos gente na sala, me incomodo menos, é muito melhor”. O que me chamou a atenção foi o desdém, o tom blasé. Dar a “sua aula” era mais importante do que saber se os alunos estavam ou não aprendendo. Achei compreensível. Ele leciona em uma universidade estatal dessas bacanas, que a gente costuma chamar de “públicas”, tem estabilidade e não é avaliado pelo desempenho em sala de aula. A atitude do meu colega de debate é uma migalha do que acontece na educação estatal brasileira. Estudo feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo mostrou que, em média, os professores faltam 36 dias por ano na rede pública do município de São Paulo. Na rede estadual a média é de 30 dias. Não se trata aqui de julgar os professores, dizer que são piores ou melhores do que os do setor privado. É a regra do jogo que está mal desenhada. É o “modelo” de educação estatal que leva a este resultado. Os efeitos disso tudo são conhecidos. Nossos alunos das redes públicas ocupam as últimas posições no PISA (teste feito pela OCDE com estudantes aos 15 anos, em 65 países) e o IDEB alcançado pelas escolas privadas, no ensino médio, é 51% maior do que o das redes públicas. A falência da educação estatal levou a uma migração maciça da classe média para as escolas particulares. Criamos um sistema brutal de exclusão: os mais ricos escolhem a escola de seus filhos e obtém os melhores resultados; os mais pobres ficam por conta do Estado. Espécie de versão aguda da metáfora da Belíndia, criada nos anos 70 pelo economista Edmar Bacha. Nossa modelo de apartheid educacional produziu algo próximo ao que o sociólogo Robert Merton chamou de “efeito Mateus”. A inspiração vem da passagem bíblica que diz “ao que tem, mais será dado…mas ao que nada tem, até mesmo isso lhes será tomado”. O mecanismo de exclusão leva a um ciclo de “desvantagens cumulativas”: menor renda, colégios de baixo desempenho, redes restritas de interação social, estigma, estreitamento do leque de oportunidades. É evidente que o ciclo não determina o destino de ninguém. É sempre possível dar a volta por cima. De vez em quando acontece, mas não é a regra. Quebrar o apartheid educacional brasileiro significa exatamente isto: buscar que se torne regra o que hoje é exceção. É possível que tudo isso seja apenas uma “consequência não intencionada” do sistema de ensino estatal, no Brasil. Prefiro pensar que se trata de um resultado bastante previsível. Escolas estatais, no Brasil, funcionam como repartições públicas. Não tem autonomia orçamentária ou liberdade para contratar ou descontratar professores; subordinam-se à burocracia da lei das licitações; diretores são eleitos, gerando um pacto corporativo com os professores; governos se alternam, a cada quatro anos, e no fundo podem fazer muito pouco para melhorar o sistema, a longo prazo. Exceções, como o sempre mencionado bom desempenho das escolas de Sobral, no Ceará, apenas servem para confirmar a regra. Diante desse cenário, nossos gestores públicos se recusam a buscar alternativas. No fundo é uma situação confortável, feita do pacto silencioso entre a corporação sindical e a elite (empresarial e acadêmica) disposta a “mudar a educação”. Disposta a patrocinar estudos e pinçar exemplos de sucesso aqui e ali, imaginando que tudo será diferente em dez ou vinte anos. No curto prazo, as coisas prosseguem como sempre foram. A corporação com seus “direitos” e os mais ricos à salvo em boas escolas particulares. Os mais pobres, como reza a tradição, em silêncio. Penso que é preciso mudar. O País precisa experimentar novas formas de gestão da educação pública, do ensino básico ao ensino superior, sem preconceitos. No plano global, há duas grandes linhas de inovação: os sistemas de voucher, em que o governo oferece uma bolsa e dá direito de escolha às famílias, ao invés de gerenciar escolas; e o modelo das charter schools, em que o governo assina contratos de gestão com instituições especializadas, de direito privado e sem fins lucrativos. Em ambos casos, o governo passa da condição de gestor direto para regulador do sistema. O Brasil já conhece estes modelos. O ProUni funciona como um sistema de voucher, e é um sucesso. Pesquisa encomendada pela ABRAES, com base nos resultados do ENADE entre 2010 e 2012, mostrou que os alunos com bolsa integral no sistema obtém notas superiores a dos alunos de Universidades Públicas, com renda média muito superior. Este e outros indicadores tem ajudado a derrubar uma das mais cruéis narrativas do debate educacional brasileiro, segundo a qual os alunos não conseguem aprender devido à pobreza. No plano das charter schools, o Brasil desenvolveu, nas últimas duas décadas, o bem sucedido modelo das Organizações Sociais. São amplamente conhecidos os resultados obtidos pelas OS da saúde, no Estado de São Paulo, bem como o sucesso obtido por organizações como a OSESP, Pinacoteca do Estado, o Museu do Amanhã e outras organizações culturais. Na educação, temos a experiência do IMPA e exemplos de menor alcance em diversos municípios brasileiros. Recentemente, o País aprovou o novo marco legal das organizações da sociedade civil, a LEI 13.019/14, que funciona como uma perfeita legislação para a implementação do modelo de charter schools. A lei explicitamente prevê a celebração de termos de colaboração dos governos com organizações privadas sem fins lucrativos, na área da educação. Nosso marco jurídico está completo e temos a nossa disposição uma série de bons exemplos. O que nos impede de avançar? Os estudos realizados com programas de voucher tem oferecido resultados mistos. Na Índia, um programa experimental realizado no Estado de Andhra Pradesh, com crianças escolhidas aleatoriamente, mostrou resultados promissores. Em que pese os resultados em disciplinas tradicionais, como a matemática, não apresentassem variações consideráveis, os alunos que migraram para as escolas privadas passaram a aprender mais rapidamente (ganho médio de 30%) e a

É correto assegurar liberdade de expressão para ideias que odiamos?

Tudo começou com uma estátua do general Robert Lee, herói confederado. Ela anda por lá desde 1924, e não se sabe bem quando surgiu a ideia de colocá-la abaixo. Diz-se que foi em meio à comoção envolvendo a morte de Michael Brown, em Ferguson, à época de gestação do movimento Black Live Matters. Em 2017, o Conselho de Charlottesville aprovou a retirada do monumento e o caso foi parar na Justiça. Líderes supremacistas perceberam a oportunidade. Nossa democracia nervosa se faz de ação e reação. A bizarra marcha de tochas é marcada para um sábado que prometia ser tranquilo, nos arredores do Emancipation Park. Não foi. Havia um campo de batalha e muito pouco bom senso. No início da tarde, James Fields, um tipo pró-nazi, acelerou seu carro sobre a multidão e matou a jovem ativista de direitos humanos Heather Heyer. “Era uma pessoa que chorava com a injustiça do mundo”, disse sua mãe. O debate que se seguiu, como era de esperar, caiu na vala comum do maniqueísmo reinante nas redes sociais. A própria ideia de que poderia haver algo a ser discutido sobre os eventos de Charlotte passou a ser vista como suspeita. Ponderar sobre o quê? Sobre um bando de nazistas? A America Civil Liberties Union, entidade histórica na defesa das liberdades civis, defendeu o direito à manifestação supremacista e foi duramente atacada. A jornalista Sheryl Stolberg, do The New York Times, no coração do conflito, falou em violência de ambos os lados e tuitou: a “extrema-esquerda parece tão cheia de ódio quanto a alt-right”. Foi achincalhada nas redes sociais, mas não recuou. A gritaria tem sua razão: não há nada a discutir com um grupo racista ou nazista. Eles estão fora do “consenso razoável” em qualquer democracia. No contexto americano, porém, isso não impede seu direito de expressão. Se o país é capaz de proteger o direito à expressão das piores ideias, significa que também o das melhores ideias está protegida. Em 1977, a Suprema Corte autorizou uma marcha nazista em um bairro judeu de Illinois. Foi uma opção da cultura americana pelo valor da liberdade, consagrado pela Primeira Emenda à Constituição. Ainda recentemente o juiz Samuel Alito, da Suprema Corte, resumiu o tema: o ponto é proteger a “liberdade de expressão das ideias que nós odiamos”. É o que diz a tradição, mas alguma coisa não vai bem. Os acontecimentos de Charlottesville mostraram que a sociedade americana está longe de um consenso em torno dos valores da Primeira Emenda. Há um crescente contingente de ativistas de direitos que simplesmente não reconhece a ideia de “liberdade plena de expressão”. Em fevereiro, um exército antifa ocupou a Universidade da Califórnia em Berkeley para impedir uma palestra do ativista alt-right Milos Yiannopoulos. Semanas atrás, também em Berkeley, a tradicional Rádio KPFA cancelou uma conferência do cientista britânico Richard Dawkins por suas supostas “ofensas ao islã”. A rádio deixou claro que defende plenamente a liberdade “séria” de expressão. Estará em curso um afastamento progressivo entre as ideias de república e democracia? Entre o direito individual e a imposição da norma coletiva? O tema é delicado, pois contrasta duas ordens de valores: nosso desejo de viver em uma sociedade livre e ao mesmo tempo de assegurar “respeito”. Uma sociedade livre, desde que sem estátuas do general Robert Lee ou passeatas de gente que detestamos. Não vejo como compatibilizar essas coisas, mas talvez possa estar me faltando alguma criatividade. De qualquer modo, não gostei de perceber que aquela marcha patética, no sábado passado, era convocada também em defesa da liberdade de expressão. Nos dias seguintes, o debate se concentrou em torno da reação do presidente Trump. A questão era saber se ele faria uma condenação explícita aos movimentos supremacistas ou se manteria na posição crítica a “ambos lados”. Trump fez as duas coisas, mas na terça-feira, dia 15, parece ter falado com o coração. Disse que do mesmo jeito que havia a alt-right, havia a alt-left, e foi duro na crítica à derrubada dos monumentos históricos. Com direito a uma pergunta incômoda: “George Washington era um escravocrata. Vamos derrubar as estátuas de Washington também?”. O experiente jornalista Mark Landler fez uma boa provocação. Ele disse que a posição ambígua de Trump joga por terra uma velha tradição americana: de que cabe ao presidente, em momentos críticos, apontar um “caminho moral para o país”. Foi o caso de Lincoln ao final da Guerra Civil e de Obama, em 2015, após o massacre dos jovens negros em Charleston, dizendo que “a Justiça se alimenta do nosso reconhecimento nos outros”. Isso antes de entoar “Amazing grace”,  à capela. É difícil imaginar Donald Trump fazendo estas coisas. Ele sabe que é presidente em um pais dividido e que não há a menor chance de diálogo com o “outro lado”. Ele sabe também que pode continuar contando com o apoio de grupos racistas porque há base social para isso. Há um eleitorado silencioso que não dá muita bola para ameaças da Ku Klux Klan e parece claramente aberto à ideia de que há realmente dois lados criando confusão. Como lidar com isso? Na cidade alemã de Wunsiedel, onde também há passeatas nazistas, os grupos de direitos humanos descobriram um jeito: com humor. Para cada metro percorrido pelos nazistas, os moradores se comprometem em doar € 10 para uma campanha antinazista. A ideia se espalhou por diversas cidades alemãs e já foi adotada em Charlotte, Carolina do Norte, onde as pessoas se vestiram de palhaços para receber uma passeata neonazista. Não tenho a menor ideia se o humor daria certo em casos como o de Charlottesville. Por certo, a violência não funcionou. Ela permitiu que os supremacistas se fizessem de vítimas e ainda se posicionassem no lado da liberdade de expressão. Talvez valesse a pena, para quem ainda acredita na ideia de direitos humanos, prestar atenção aos valores da não violência que pautaram a longa marcha de Martin Luther King nos anos de 1960. Isso, por evidente, se o que realmente está em jogo é a defesa de direitos humanos, e não algum tipo de guerra

Lula em quatro estações

Em abril de 2009 Lula era “o cara”, o político mais popular do planeta, na frase de Barack Obama em uma reunião londrina do G20. Obama estava certo. Nos dois anos que se seguiram, Lula atinge a consagração política. A revista Time o escolhe o líder mais influente do mundo e ele conclui o governo com 83% de aprovação. Passados alguns anos, as coisas mudaram. Uma densa neblina paira sobre sua biografia. Seu legado é posto em cheque, e o futuro incerto. Defini-lo, longe da paixão dos dias, é tarefa para os historiadores. Mas vale tentar capturar suas mutações, ao longo do tempo. Com algum risco e leveza, tentar contar a história de Lula em suas quatro estações. Primeira estação A história de Lula diz muito da saga brasileira no século XX. O filho do sertanejo que sai de Caetés, no interior de Pernambuco, rumo ao litoral paulista com a mãe, Dona Lindu, mais oito irmãos. História de desalento e da vida que se renova. Do guri que cuida da vida, na Vila Carioca, que engraxa sapato e vende tapioca. E que um dia dá a virada. Vai cursar o Senai. Vira torneiro mecânico. O especialista da família. E vai trabalhar como metalúrgico no ABC. Lula podia ter feito carreira na fábrica e tocado sua vida operária, mas no final dos anos 60 começa a frequentar o sindicato. Diz-se que foi pela mão do irmão, Frei Chico, então ligado ao partido comunista. À época trabalha na Aços Villares. Não é um tipo ideológico, nem ligado à política. Faz carreira por dentro da máquina sindical oficial. Em 1972, recusa concorrer à presidência do sindicato pela oposição. Prefere ficar ao lado de Paulo Vidal, o presidente consentido pela estrutura de poder. É eleito primeiro secretário e responsável pela caixa de aposentadoria. Devagarinho vai virando o Lula, o cara boa praça que joga bola e bebe com a peonada. Um dia aparece lá no sindicato uma moça bonita com um filho para criar. É Marisa Letícia, a galega, viúva de um motorista de taxi de São Bernardo. Será a mulher de Lula durante 42 anos, até sofrer um AVC e falecer no inicio deste ano. Lula soube se reinventar, após 1975, quando assume a presidência do Sindicato. Com seis meses de mandato, faz uma viagem ao Japão e na volta fica sabendo da prisão de Frei Chico. Anos depois, Lula dirá que aquele foi um momento de virada. Diz que perdeu o medo. Acrescentou um elemento político a seu discurso. O fato é que os três anos que se seguiram mudaram não apenas a trajetória de Lula, mas do sindicalismo brasileiro. Foram três campanhas salariais, nos meses de maio de 1978, 79 e 80. Em 1979 Lula permanece preso por 31 dias, período no qual lhe é permitido visitar a mãe, no hospital, e logo ir a seu enterro. A prisão é um ponto de inflexão. Acrescenta um elemento dramático a sua trajetória e afirma a independência do chamado “novo sindicalismo”. Lula completa sua primeira estação. As imagens da massa operária em silêncio, no estádio de Vila Euclides, sob a batuta mágica do filho de Dona Lindu, haviam criado o mito. O Lula da primeira estação emerge no contexto do divórcio entre Estado e sociedade produzida pelos militares, no Brasil dos anos 60 e 70. O ciclo militar fez da estrutura sindical brasileira uma máquina burocrática distante da tradicional influência dos comunistas e trabalhistas. Lula não carrega a “herança de 68”, nem recebeu formação teórica de esquerda. Ele surge no espaço vazio, “por dentro” e ao mesmo tempo crítico do sindicalismo oficial e do imposto sindical, defendendo uma relação ganha-ganha entre capital e trabalho. Em 1978 ainda chama o golpe de 64 de “revolução” e critica o velho movimento sindical por fazer muita politicagem. Critica os intelectuais e diz que os estudantes “serão os patrões de amanhã”. Lula é o líder que convida o governador arenista Paulo Egydio para sua posse, que negocia com o governo e conversa de igual para igual com a elite empresarial. É respeitado pelo sistema e surge, aos olhos dos arquitetos da transição, como uma liderança alternativa ao Brizolismo. Segunda estação No final dos anos 70, Lula lidera o movimento de criação do PT. No mês de julho de 1978, em um encontro de petroleiros na Bahia, diz que “havia chegado a hora” dos trabalhadores formarem seu próprio partido. Lula é intuitivo. O País vivia tempos de abertura, a campanha pela anistia tomava corpo e se anunciava a reforma partidária. Lula percebeu o espaço para a formação de um novo partido. Sua base? Não apenas a liderança do novo sindicalismo mas um leque difuso de grupos marxistas, intelectuais acadêmicos, comunidades de base da igreja, movimentos comunitários e de estudantes. Depois de uma década e meia de poder militar, era brutal a hegemonia da esquerda nas universidades e na sociedade civil brasileira. O ciclo militar estigmatizaria por muito tempo a ideia de uma “direita” política. Antônio Candido, em seu Direito à literatura, de 1988, registra o fenômeno, observando ser raro, naqueles anos, encontrar algum político ou empresário que arriscasse se definir como conservador. E arremata: são todos “invariavelmente de centro, até de centro-esquerda, inclusive os francamente reacionários”. Lula percebe o momento. É sua segunda estação. Antes crítico da politização dos sindicatos, Lula lidera a tomada da máquina sindical pela esquerda; avesso à partidarização do movimento social, torna-se ele mesmo seu protagonista; cético com o movimento estudantil, surge como sua referência. De um líder pragmático e aberto ao diálogo capital-trabalho, submerge à lógica fácil do “conflito de classes” e à retórica difusa da “construção do socialismo”. O PT da primeira década usou e abusou da palavra “socialismo”, que depois morreu à mingua. Na vida real, seu foco sempre foi a ocupação de estruturas de poder. A máquina, o sindicato, o imposto, o diretório, o parlamento, o governo. Um tipo particular de patrimonialismo regado a ideologia e grandes palavras. Os documentos do partido falavam em “estatizar os bancos” e “romper