O Congresso Nacional errou na dose, ao regulamentar o chamado direito de resposta. Talvez seja reflexo do clima belicoso, que tomou conta da vida pública brasileira, e que não raras vezes tem oposto políticos a órgãos de imprensa. Isto deveria ser visto como normal, em uma democracia. Talvez seja normal exagerar um pouco, ao se interpretar um dispositivo constitucional. Por isso a importância em se debater o tema, com equilíbrio e isenção.
O texto constitucional é econômico – ao definir o direito de resposta. Apenas estabelece que ele será “proporcional ao agravo”. A partir daí, abre-se a questão: qual a amplitude que se deve dar a esta prerrogativa? Há um longo debate sobre isto, no plano internacional. Duas vertentes predominam: a primeira, mais restrita, enfatiza o direito em seu aspecto “corretivo”. O veículo publica uma informação equivocada, por inépcia ou má fé, e o ofendido tem direito a dar sua versão dos fatos.
A segunda, mais ampla, diz que o cidadão tem direito a contraditar ideias e opiniões que julgar ofensivas a sua pessoa. O ofendido passa a ocupar, com o amparo do Estado, um espécie de editoria paralela do veículo de comunicação. Trata-se de uma leitura muito particular do conceito de democracia, nos meios de comunicação. Uma vertente pouco adotada, internacionalmente.
A lei aprovada pelo Congresso Nacional foi mais adiante. Criou uma interpretação amplíssima do direito de resposta. Ela diz, basicamente, que qualquer pessoa ou empresa que se sentir ofendida em sua “honra, intimidade, reputação, conceito, nome, marca ou imagem” por alguma “matéria, nota ou reportagem”, poderá requerer direito de resposta ao veículo de comunicação.
Vamos imaginar: algum colunista de jornal, blogueiro, ou mesmo comentarista de uma rádio comunitária faz um comentário duro sobre a tragédia de Mariana. A Vale do Rio Doce, sentindo-se prejudicada, requer direito de resposta. Não importa que os fatos apresentados sejam falsos ou verdadeiros. O departamento jurídico da empresa aciona o veículo e pede a resposta, com espaço idêntico ao da matéria original. Se o espaço não for dado em até sete dias, a empresa vai à justiça. O juiz, a seu critério, e em rito sumário, decide a questão.
Há um paradoxo aí. Por um lado, a democracia supõe liberdade de pensamento, e logo de imprensa. E é da sua natureza produzir opinião, refletir, criticar e ser objeto de crítica. Por outro, é também um direito do cidadão defender sua honra e expor sua opinião. No limite, temos um paradoxo sem solução. Se, para cada crítica, facultarmos ao criticado, com o amparo do Estado, intervir no veículo de comunicação, restaria, ao cabo, muito pouco do que hoje entendemos como liberdade de imprensa. Consagraríamos a ideia do Estado, via poder judiciário, como grande tutor do livre pensamento e do pluralismo social. Do que pode ou não ser dito, do que merece ou não ser contraditado.
A Suprema Corte Americana, ainda nos anos 70, tomou uma posição bastante clara sobre este paradoxo. Sua decisão é uma verdadeira aula sobre o sentido mais amplo da liberdade de imprensa. A Corte simplesmente declarou inconstitucional qualquer legislação sobre “direito de resposta”. O argumento é de que, ao determinar que isto ou aquilo deva ser publicado em um jornal, o Estado está, de fato, fazendo as vezes de editor do jornal. Está forçando o veículo a publicar algo que, de outro modo, ele não o faria. Mais: está impondo uma pena ao veículo, uma vez que a edição forçada gera custos. Por fim, está indiretamente inibindo a livre cobertura de temas potencialmente controversos.
Os Estados Unidos, por óbvio, diferem do Brasil visto que, por lá, o direito de resposta não está inscrito na Constituição. No Brasil está, mas intuo que nossos congressistas não regularam a matéria com o necessário senso de equilíbrio. É compreensível. O Congresso é formado por políticos, e políticos são usuais alvos da crítica da imprensa. E todos concordamos que isto é bom para nossa democracia.
Penso que a melhor maneira de regulamentar o direito de resposta, no Brasil, seria seguir o modelo sugerido pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa. Em síntese, a recomendação europeia diz que direito de resposta deve se ater à correção dos fatos tidos como equivocados. Nunca à opinião. É certo que a fronteira que separa fatos de opiniões nem sempre é clara. Mas ao menos tem-se um critério a ser seguido pelo judiciário: o Estado não interferirá no direito à opinião, por parte do jornalista, comentarista, blogueiro ou articulista. É esta também, em linhas gerais, a posição que as Nações Unidas tem tomado, sobre o tema, e é a que me parece mais sensata, para o caso Brasileiro.
Para finalizar, uma reflexão: vivemos a era do cidadão-intelectual. Milhões de pessoas, na blogosfera, nas redes sociais, expressam suas opiniões, todos os dias, freneticamente, sobre qualquer tema da nossa vida pública. De certo modo, cada cidadão torna-se, cada vez mais, um “veículo de comunicação social”. Basta postar vídeos, no Youtube, ter um site ou blog, ou manter uma conta no Facebook. O universo da comunicação é, por definição, multifacetado e pluralista. E surpreendente: um só blogueiro ou twitteiro pode alcançar mais influência do que a soma de dezenas de veículos de mídia tradicional. A parte isto, boa parte do que lemos é escutamos é produzido no exterior. Há certa ingenuidade em imaginar que este universo caótico será regulado pelo Estado.
Intuo que seria melhor, para nossa democracia, deixar que à própria sociedade a tarefa de filtrar o que é boa ou má informação. A cada indivíduo, em última instância. Judicializar o conflito de opiniões e visões de mundo não me parece uma boa ideia. Isto sem prejuízo de que, a qualquer momento, o cidadão possa recorrer à justiça quando se sentir ofendido. Como já ocorre hoje.
A imprensa livre é um das pedras angulares da democracia, e assim tem sido no Brasil, nestas mais de três décadas, deste transição do regime autoritário. E é preciso reconhecer que nossa imprensa, com erros e acertos, tem cumprido muito bem o seu papel. Convém que cuidemos disto. Com equilíbrio. Não tenho dúvidas de que será esta a postura de nossa Suprema Corte.
Texto publicado originalmente no Uol Opinião em 04/12/2015.