Fazia um bom tempo que não se falava sobre reforma política em Brasília. Por estes dias voltou-se a falar. Arthur Lira criou um grupo de trabalho para reformar as regras eleitorais e temas mais amplos entraram na pauta, como a revisão da cláusula de desempenho e da vedação a coligações nas eleições proporcionais.
A notícia preocupa. O país fez uma minirreforma eleitoral em 2017, proibindo coligação nas proporcionais e instituindo uma cláusula de barreira progressiva. Começou no ano passado, no pleito municipal.Nas eleições nacionais, há a exigência de 1,5% dos votos válidos ou nove deputados eleitos em um mínimo de nove estados e vai até 2030, com a exigência de um mínimo de 3% dos votos ou 15 eleitos.
A pergunta que surge: há algo que justifique interromper o processo no meio do caminho? Alguma coisa deu errado ou é só a reclamação dos partidos que não cumpriram as exigências da cláusula ou estão com medo de não cumprir?
O fato é que as medidas da minirreforma vêm dando certo. Diria que é uma das raras reformas institucionais que o país conseguiu fazer, nos últimos anos, com resultados inequivocamente positivos. Nove dos 30 partidos que elegeram deputados em 2018 não cumpriram a cláusula e perderam o acesso ao fundo partidário e ao tempo de televisão.
O deputado federal Arthur Lira (PP-AL) durante discurso na Câmara na votação da reforma da Previdência; líder do centrão é hoje candidato à presidência da Câmara Luis Macedo –
Algum problema nisso? Na minha visão, nenhum. Nos 15 anos após as eleições de 1998, nossa fragmentação partidária cresceu 62%. Entre 1986 e 2018, fomos de 12 para 30 partidos na Câmara. Nos tornamos o país com a maior fragmentação partidária do planeta.
Resultado? Mais dificuldade de formação de consensos e tomada de decisão no Congresso. Nos dois governos de FHC, os quatro maiores partidos da Câmara formavam quórum para aprovar emendas à constituição (310 e 347, em cada mandato); no governo Bolsonaro, os quatro maiores partidos somam 187 deputados, muito abaixo da maioria requerida para projetos de lei.
Se a fragmentação partidária expressasse diversidade de visões programáticas em um país continental e complexo, como o Brasil, haveria ali alguma virtude. Não é o caso. Nosso festival de siglas, com honrosas exceções, é uma resposta artificial aos incentivos do próprio sistema (fundos, tempo de TV e etc.) e se mostra como um conjunto vazio de ideias.
Outro sinal positivo da minirreforma de 2017 veio com as recentes eleições municipais. Nas cidades com até 20 mil habitantes (mais de dois terços dos municípios), o número efetivo de partidos nas Câmaras de vereadores caiu de 5,1 para 3,5.
O mesmo não ocorreu nas cidades grandes, ainda que se tenha estancado o aumento da fragmentação. E casos extremos ainda se verificam, como na Câmara de Vitória, onde 13 partidos ocupam as 15 cadeiras do Legislativo municipal.
A melhor solução para esse problema viria de uma ideia discutida há muito: a migração do sistema eleitoral para o modelo distrital misto. O sistema cria um claro incentivo à aglutinação partidária ao tornar majoritária a escolha de parte das vagas ao Parlamento.
Ele facilita a comparação de programas e focaliza a representação parlamentar, fazendo com que a comunidade saiba quem a representa e vice-versa. De quebra, reduz custos de campanha e a influência do dinheiro nas eleições.
Arthur Lira faria história se levasse à frente essa ideia, em vez de fazer o país olhar pelo o retrovisor. Como inspiração, poderia prestar atenção à reforma feita pela Nova Zelândia, no inicio dos anos 1990, em que um conjunto de modelos eleitorais, definidos pelo Parlamento, foram submetidos a plebiscito.
Isso permitiu um amplo debate nacional sobre a qualidade da representação política e sua repactuação.
Vamos lembrar que nossa fórmula republicana e presidencialista foi objeto de consulta direta, em 1993, mas não o sistema eleitoral. Há mecanismos na Constituição que facultam essa opção, e talvez tenha chegado a hora de pensar sobre isto.
De qualquer modo, fica o alerta. O maior erro seria jogarmos pela janela os avanços que tivemos com a minirreforma. Se for para mudar, o melhor é andar para frente, não para trás.
Fernando L. Schuler é cientista político e professor do Insper
Artigo originalmente publicado no Jornal Folha de São Paulo