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Por que os milionários brasileiros não doam para as universidades?

Stephen Schwarzman costumava fazer suas refeições no Commons, quando estudante em Yale, em meados dos anos 60. Sujeito tímido, vindo de escola pública, sentia-se bem naquele edifício de estilo neoclássico, situado no coração da Universidade. Formado em 1969, Schwarzman percorreu passo a passo o sonho americano. Nos anos 80, criou o grupo Blackstone, hoje um dos maiores fundos de investimento dos Estados Unidos. Consta como a 122º pessoa mais rica do planeta, na lista da Forbes. No último dia 11 de maio, anunciou uma doação de U$ 150 milhões para a conversão do velho Commons em um moderno centro de artes.

O centro levará o nome de Schwarzman. Há quem veja nisso um simples desejo de “imortalidade através do dinheiro”, como lí em uma crítica. Pouco importa. Talvez alguém tenha pensado o mesmo quando Lenand Stanford criou a universidade que levaria seu nome, na década de 1880, na Califórnia. Ou quando resolveram dar o nome de Solomon Guggenheim, logo após sua morte, ao Museu projetado por Frank Lloyd Wright, no coração de Manhattan. Quem sabe teria sido melhor, para os Estados Unidos, imitar o exemplo brasileiro. Por aqui, pouca gente tenta perpetuar o próprio nome, doando para universidades e museus. Talvez por isso lê-se, por estes dias, o anúncio de fechamento da Casa Daros, primoroso espaço de artes, no Rio de Janeiro, por falta de recursos.

A tradição da filantropia americana vem de longe. É possível pensar que Andrew Carnegie seja seu maior ícone e, de certo modo, definidor conceitual. Imigrante pobre, Carnegie fez fortuna na siderurgia americana, na segunda metade do século XIX. Em 1901, aos 66 anos, vendeu suas indústrias ao banqueiro J.P Morgan e tornou-se o maior filantropo americano. Uma de suas tantas proezas, não certamente a maior, foi construir mais de três mil bibliotecas, nos Estados Unidos. Em 1889, escreveu o artigo The Gospel of Weath, defendendo que os ricos deveriam viver com comedimento e tirar da cabeça a ideia de herdar sua fortuna aos filhos. Melhor seria doar o dinheiro para alguma causa, ou várias delas, a sua escolha, ainda em vida. O Estado poderia dar um empurrãozinho, aumentando o imposto sobre a herança, mas deveria evitar a tributação das grandes fortunas. O melhor resultado, para todos, seria obtido se os próprios ricos distribuíssem sua riqueza, com cuidado e responsabilidade. Recentemente, foi o argumento usado por Bill Gates, o maior filantropo da nossa era, em oposição a Thomas Piketty e sua obsessão em tributar os mais ricos.

Gates não fala da boca pra fora, nem é uma voz isolada. Em 2009, lançou, junto com Warren Buffett, o mais impressionante movimento de incentivo à filantropia já visto: The giving pledge. A campanha tem, até o momento, 128 signatários. Para participar, basta ser um bilionário e assinar uma carta prometendo doar, em vida, mais da metade de sua fortuna a projetos humanitários. Para boa parte dessas pessoas, doar 50% é pouco. Larry Elisson, criador da Oracle, comprometeu-se em doar 95% de sua fortuna hoje avaliada em U$ 56 bilhões. Buffett foi além: irá doar 99%. Como bem observou o filósofo alemão Peter Sloterdijk, parece que, ao contrário do que acreditávamos no século XX, não são os pobres, mas os ricos que mudarão o mundo. Sloterdijt, por óbvio, não conhece bem o Brasil.

Enquanto nos Estados Unidos, o valor das doações individuais à filantropia chega a U$ 330 bilhões/ano. No Brasil, os números são imprecisos, mas estima-se que o montante não passa de U$ 6 bilhões/ano. Apenas 3% do financiamento a nossas ONGs vem de doações individuais, contra mais de 70%, no caso americano. Há, na lista da Forbes, 54 bilionários, no Brasil. Nenhum aderiu, até o momento, ao movimento da Giving Pledge. Consta que Jorge Paulo Lemann, o número um da lista, foi convidado. Não duvido que dia desses anuncie sua adesão. Seria um divisor de aguas para o País.

Explicações não faltam, para esta disparidade. Há quem goste de debitar o fenômeno na conta da nossa “formação cultural”. Por essa tese, estaríamos atados a nossas raízes ibéricas, sempre esperando pelos favores do Estado, indispostos a buscar formas de cooperação entre os cidadãos para construir escolas, museus e bibliotecas, ou simplesmente para consertar os brinquedos e plantar flores na praça do bairro.

É possível que haja alguma verdade nisso. O Rei Dom João III, lá por volta de 1530, dividiu o país em capitanias hereditárias e as dividiu entre fidalgos e amigos da corte portuguesa. Fazer o que? Enquanto isso, os peregrinos do Mayflower, desembarcaram nas costas da Nova Inglaterra movidos pela fé e amor ao trabalho para construir um novo país. Uma bela historia, sem duvida. Muito parecida com a de meus antepassados alemães, que desembarcaram em 1824 às margens do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Há muitas histórias, há muitos tipos de formação cultural, no Brasil, assim como nos Estados Unidos. Não é difícil escolher uma delas para justificar qualquer coisa.

De minha parte, desconfio da tese do caráter cultural. Ela é abstrata de mais, difícil de mensurar e, pior, tende a levar à acomodação. Prefiro concentrar o foco na variável sobre a qual – ao menos em boa medida – temos controle. E esta variável é institucional. Minha tese é: o modelo institucional e de incentivos que adotamos simplesmente não favorece o desenvolvimento da filantropia. Ele incentiva que as pessoas esperem que o Estado resolva os seus problemas. E é o que elas fazem, em geral.

Vamos a um exemplo: nossos sistemas de incentivo fiscal a doações. Nos Estados Unidos, se alguém quiser doar algum recurso para o MoMA (o Museu de Arte Moderna, em Nova Iorque), poderá abater até 30% de seu rendimento tributável. Para algumas instituições, este percentual sobe a 50%. No Brasil, seu abatimento é limitado a 6% do Imposto de renda devido, isto se o contribuinte fizer a declaração completa.

O pior, no entanto, acontece do outro lado do balcão. Para receber a doação, o Museu brasileiro deverá ter um projeto previamente aprovado pelo Ministério da Cultura, em Brasília. Serão meses em uma via crucis, listando minuciosamente o gasto futuro com o projeto, e depois mais alguns meses para a prestação de contas detalhada do que foi gasto com sua execução. Fico imaginando o que o MoMA faria se, para receber doações, tivesse que enviar previamente um projeto para ser analisado em Washington, linha a linha, por um grupo de funcionários públicos. Os Estados Unidos sequer tem um ministério da cultura. As doações e os incentivos são diretos, sem burocracia. Por isso funciona.

Vamos a outro exemplo: os americanos adotam, como principal estratégia de financiamento de suas instituições – sejam museus, universidades ou orquestras sinfônicas, os chamados “fundos de endowment”. A ideia é bem simples: uma poupança de longuíssimo prazo, destinada a crescer, ano a ano, da qual a instituição retira parte dos rendimentos, para seu custeio. Simplesmente nenhuma grande instituição universitária ou cultural americana vive sem o seu endowment. Há 75 universidades com fundos de mais de U$ 1 bilhão. O maior de todos, de Harvard, tem U$ 36 bilhões em caixa.

Pois bem, vamos imaginar que um milionário acordasse, dia desses, decidido a doar uma boa quantia para algum endowment, no Brasil. Ele gosta de artes visuais e quer doar para um museu. Em primeiro lugar, ele não teria nenhum incentivo fiscal para fazer isto. A chamada Lei Rouanet simplesmente proíbe que um museu brasileiro apresente um projeto para receber doações para endowments. Em segundo lugar, não haveria nenhum endowment para ser apoiado. Nos Estados Unidos, ele encontraria milhares, bastaria escolher algum, na internet. Em Pindorama, nenhum. As leis não favorecem, os incentivos inexistem, as instituições não estão organizadas para receber as doações. E a culpa segue por conta da nossa “formação cultural”.

Outra razão diz respeito ao modelo de gestão de nossas instituições. O Brasil teima, em pleno século XXI, a manter – uma malha obsoleta de universidades estatais. Elas consomem perto de 30% dos recurso do Ministério da Educação, mas nenhuma se encontra entre as 200 melhores do mundo, no último levantamento da Revista Times Higher Education. Enquanto isso, os Estados Unidos dispõe de 48 das 100 melhores universidades globais. Princeton, Yale, Columbia, MIT, seguem, em regra, o mesmo padrão: instituições privadas, sem fins lucrativos, com largos endowments, cobrando mensalidades e oferecendo um amplo sistema de bolsas por mérito (em âmbito global), e ancoradas em uma rede de alumni e parcerias públicas e privadas. Não é diferente do que ocorre com museus e instituições culturais.

O ponto é que o Brasil pode mudar. Há exemplos de líderes empresariais que fazem a sua parte. Há o caso exemplar do Banqueiro Walter Moreira Salles, fundador do Instituto Unibanco, voltado à educação, e do Instituto Moreira Salles, voltado à cultura. Há a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, há o Museu Iberê Camargo, financiado por Jorge Gerdau, e há a Fundação Roberto Marinho, à frente do maior projeto cultural do Brasil, nos dias de hoje, que é o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Há uma imensa generosidade e espírito público, no País, ainda bloqueados pelo anacronismo dos modelos de gestão pública que adotamos. Instituições, mais do que a história. Incentivos, mais do que uma suposta genética cultural. São as melhores cartas que temos nas mãos.

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Sobre o autor

Fernando Luís Schüler é um filósofo, professor universitário, articulista, cientista político e consultor de empresas e organizações civis nas áreas de cultura e ciências políticas.

Fernando Schuler

Fernando Schüler é Professor do Insper, em São Paulo, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com Pós-Doutorado pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. É Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e Especialista em Gestão Cultural e Cooperação Ibero-americana pela Universidade de Barcelona (UB).

Foi Secretário de Estado da Justiça e do Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul e Diretor da Fundação Iberê Camargo. É criador e curador do Projeto Fronteiras do Pensamento. Possui experiência na área de análise política, com ênfase nas áreas de políticas públicas, história e filosofia política. É colunista da VEJA e da rádio e TV BandNews.

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