Goste ou não de Bari Weiss, vale à pena ler sua entrevista a Folha, dias atrás. É bom escutar alguém que destoa da multidão. Alguém que ri sozinho enquanto todos dançam a Macarena (já me aconteceu). Sua história é conhecida. Ela foi contratada como uma das editoras do The New York Times por destoar da linha de pensamento hegemônica da redação, e terminou caindo fora pelo mesmo motivo.
A redação do The Times, diz ela, como a de muitos jornais, passou gradativamente a responder a um agenda política. E o fez a partir da cisão que marcou a imprensa americana nos anos recentes, entre a gente bacana e esclarecida, “cujo trabalho é informar os outros” e os caipirões, basicamente definidos por qualquer coisa que diz respeito a Donald Trump.
Daí aparece uma jornalista que recusa a dicotomia fácil. Que acha risível pautar o jornalismo, todo santo dia, pelo milésimo texto enfileirando palavrões contra o “diabo laranja”. Seu problema, por óbvio, nunca foi Trump ou qualquer político. O problema era a conversão do jornalismo em um campo retórico fechado e avesso às “ideias inconvenientes”.
Foi o caso do editor James Bennet, banido por publicar um artigo controverso do senador Tom Cotton. O editor provavelmente discordasse do Senador, mas acreditava “dever aos leitores a exposição de contra-argumentos”. Ingenuidade dele. Contra-argumentos são aceitos, na lógica do ativismo, nos limites de quem tem a hegemonia e o poder de impor danos aos que saem da linha.
O que Bari Weiss diz vale para qualquer posição política e vai além do jornalismo. Demétrio Magnoli tratou disso em uma coluna recente. Há um modus operandi da política atual, dado pela lógica tribalista das redes sociais. O jornalismo, ou parte relevante dele, apenas foi junto com a maré.
Intuo que se trata de um caminho sem volta. O Twitter se tornou bem mais do que o “editor último” do The Times, como diz Weiss em sua carta-renúncia. Se tornou, junto com as redes, o editor do debate público, e o faz de modo anárquico, numa constante guerra civil em que cada um imagina ganhar, a cada momento, e todos perdem, ao longo do tempo.
Weis diz que nos tornamos um grande campus, ou um grande departamento de estudos de gênero. Prefiro outra formulação: nos tornamos uma sociedade de militantes. Nas redes, nas universidades, no jornalismo e, mais recentemente, na vida das empresas e hábitos de consumo.
É evidente que muita gente se mantém serena em meio à tempestade, para o horror das hordas de qualquer lado. Mas o espírito do tempo é outro. É o “espírito de partido”, como disse Madame de Stäel sobre o clima intelectual francês à época da revolução, e de quem me lembrei por estes dias.
O ponto é que isto não irá mudar. Nos anos trinta do século passado, Ortega y Gasset vaticinou que o homem-massa havia ingressado de vez na cultura. Cem anos depois, graças à internet, quem domina o palco é o cidadão-pregador, o cidadão-dedo-em-riste. Seu destino ainda é incerto. Ele pode conduzir mudanças positivas, mas pode também agir como uma nuvem de Black Mirror.
É positivo que as pessoas façam promessas de fim de ano e apostem que a pandemia vai mudar as coisas e que voltaremos a agir com mais empatia e sentido de comunidade.
Quem sabe a esperança de Gabeira, a quem sempre leio, apostando que a politica, depois de nos ter afastado, possa novamente nos aproximar. Ele lembra que já fomos mais gentis uns com os outros, mesmo divergindo, como na época das diretas.
Minha hipótese é que a política continuará a nos separar. A lógica da tribo, da reação imediata e baixa empatia veio pra ficar. Ninguém tem a chave para desligar a geringonça na qual estamos todos enredados.
Nossa melhor chance é fugir da querela política. Sugiro experimentar algo nessa linha nos encontros deste verão. Fugir da postura do sujeito que um dia me disse que iria “perdoar” seu irmão por apoiar o político que ele detestava. Presunção tola. Vale muito mais um abraço e a descoberta de coisas interessantes que todos temos em comum. E elas não são poucas, podem acreditar.
Fernando Luis Schüler é Professor do Insper
(artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo, em 31/12/20)